Por Marco Antonio de Oliveira Camargo*
Existe um interessante debate entre os tabeliães do país acerca dos entendimentos possíveis sobre os dispositivos legais regulamentadores da solenidade e forma da realização dos testamentos públicos lavrados em suas notas.
É notório que toda escritura lavrada em cartório tem uma solenidade e forma que são necessárias à sua validade e eficácia. O ato notarial é dotado de fé pública, dentre outros motivos por obediência à formalidade que a lei exige para a sua criação.
O testamento, que em sua essência representa ato unilateral, pura manifestação de vontade que pode ser alterado a qualquer momento e sob qualquer circunstância por aquele solicitou sua realização, dentre todos os atos praticáveis nos serviços notariais, é o de maior solenidade.
É realmente curiosa esta característica dos testamentos.
Desde os primeiros atos que este autor/tabelião lavrou, o início da leitura do texto redigido, na presença do testador e das testemunhas, sempre é precedido de um pequeno discurso esclarecedor, mais ou menos nos seguintes termos:
-Estamos aqui para fazer o ato mais formal e solene que se pode fazer em cartório.
-Se estivéssemos a realizar a venda e compra de um imóvel altamente valorizado, um negócio de milhões, tudo seria mais fácil, porque se eventualmente existir algum problema com o imóvel, seu registro ou sobre condições e detalhes da venda e compra ajustada, nós poderíamos nos reunir novamente e fazer uma retificação da escritura, consertar o que ficou errado. Mas com este documento - testamento - isso não será possível.
-Estamos fazendo um documento que vai ficar guardado - de preferência, por muitos anos ainda (neste momento, invariavelmente as partes se manifestam e todos, inclusive o próprio tabelião, desejamos vida longa e saudável ao testador e que, de fato, o testamento demore ainda muito tempo para ser utilizado) - quando, finalmente chegar o momento de utilizar este documento, o testador não estará entre nós e se existir dúvidas sobre os detalhes do que aqui foi escrito, será impossível fazer qualquer retificação.
- Por outro lado, este documento tão importante e formal é também um instrumento público que pode muito facilmente ser modificado ou cancelado.
-Se amanhã mesmo o testador aqui presente decidir mudar alguma coisa do que hoje está decidido, ou mesmo se resolver cancelar tudo e deixar que a Lei decida sobre o destino de seus bens, após o seu falecimento. Não haverá problema algum. Ele pode retornar aqui mesmo ou em qualquer outro tabelionato e na presença das mesmas testemunhas ou de quaisquer outras, modificar tudo o que faremos agora. E não precisa nem explicar o motivo.
Em resumo, o que é muito importante e que em nenhum momento deve ser esquecido por todos nós aqui presentes é que HOJE, neste momento, a vontade do testador sobre o destino de seus bens para DEPOIS DA SUA MORTE está descrita de forma clara e evidente e que qualquer pessoa que venha a ter conhecimento deste documento entenda esta vontade e que não tenha dúvidas sobre ela.
- Também não se pode ignorar o fato de que eventuais interessados venham a colocar em dúvida esta vontade agora manifestada. Alguém pode alegar que o testador não sabia o que estava fazendo... que foi coagido ou ludibriado... Enfim, muita coisa pode acontecer e por isso é tão importante que as testemunhas aqui presentes conheçam o testador, saibam qual é a sua vontade, sua intenção e que prestem muita atenção à leitura que farei do documento.
- Embora seja muito difícil de acontecer, não é impossível que venha a ocorrer a necessidade das testemunhas e eu próprio tabelião, venhamos a ser chamados em juízo para confirmar se tudo o consta neste testamento realmente aconteceu do modo como está escrito nele.
- Se todos entenderam a importância do que aqui estamos a fazer neste momento, vamos iniciar à leitura do testamento.
-Existindo qualquer dúvida ou erro podem me interromper, se eu estiver sendo rápido demais não se incomodem de me avisar. Se for necessário, podemos reescrever tudo de novo, o importante é que tudo fique muito claro, que não fique nenhuma dúvida pendente e que, quando, finalmente chegar o momento de usar este testamento a vontade do testador venha a ser cumprida exatamente da forma como ele deseja.
Concluindo: O testamento não é um documento comum. Como manifestação de uma vontade e sentimento íntimo, mais do que definir o destino de bens ou objetos materiais, o testamento representa a expressão da finitude do ser humano e da brevidade de sua vida.
Não se pode tratá-lo como um documento qualquer. Não estamos diante de um negócio jurídico, mas da expressão jurídica do maior drama da existência: a consciência da morte e das consequências que delas decorrem.
*Marco Antonio de Oliveira Camargo é títular da delegação do registro civil e notas no distrito de Sousas, em Campinas - SP. Foi tabelião de notas e protesto em Matão - SP e oficial interino em Jarinu.
O presente artigo é uma reflexão pessoal do colunista e não a opinião institucional do CNB-CF.
Fonte: CNB – Conselho Feredal
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