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09/05/2013 - Artigo – Notariado: A necessidade de um Código – Por Ricardo Henry Marques Dip

1.    A larga história e plurissecular do Notariado latino testemunha-lhe, ao lado da perseverança que lhe confirma a necessidade política, uma circunstância rara na vida dos povos, econômicos que são eles em conceder presunções genéticas de autoridade. Vemo-las, é verdade, admitidas nas religiões, e nestas não só quanto a grandes e misteriosos temas que superam a natureza, mas, algumas vezes, no plano mesmo das questões naturais, ainda que nele com prudentes limites. E se, na órbita jurídica, o tempo tem servido como fonte autorizada mais frequente para assegurar nos vários povos verdades e mitos ou, quando menos, para firmar ficções jurídicas −ali e aqui, por exemplo, com a decadência, a prescrição, a anistia e as perempções−, não falta que, com discreta parcimônia, a memória dos povos aceite provenha a verdade jurídica de poderes e autoridades dos homens.
Terá sido inevitável esse recurso à imperfeita natureza humana, não apenas porque a falha adâmica influente no estatuto de cada indivíduo exige crer nos mestres −oportet addiscentem credere−, mas porque, também na própria vida política, não seria possível reclamar, a cada passo, que os fatos, atos e negócios jurídicos estivessem reduzidos à exclusiva percepção direta no tempo escasso e no território restrito de cada sujeito interessado.
Por isso, a comunidade −ela toda, não os Estados, que são parte desse todo, menos ainda seus governos−, a comunidade foi que exigiu, ao modo de um conatural histórico −ou, como se diz um tanto impropriamente, de forma espontânea e contínua, a memória autorizada do tempo que passa. E não tendo maneiras de sempre autorizar tantas lembranças sociais por meios objetivos −o que sempre ou um tanto menos que sempre redundaria numa incessante renovação de provas e contraprovas−, a comunidade humana conveio, há muitos e muitos séculos, e por sempre continuou a convir em que havia de depositar nos sentidos externos e internos e em alguns juízos de uns poucos e seletos homens a fonte de uma expressão publicamente autorizada da realidade, quase sob a forma de um sacramento. Essa presencialidade comunitária do passado −ou seja, a instituição de um contexto comum ao presente e ao pretérito− não apenas mitigou, na história, o não absolutamente de todo afastável caráter de liça ou de jogo que define o contingente, mas tornou mais possível de algum modo a amorabilidade do passado e do futuro, pois, como fez ver o genial Afonso Botelho, é o amor que testemunha e espalha uma claridade unitiva do precedente para o tempo que ainda virá.    
Entre esses poucos homens dotados do poder de para o futuro guardar o passado, ao notário se tem concedido um lugar de preeminência.  Já tive ocasião de confessar que devo a um dicionário −eu tinha lá meus 15 anos−, devo a um livro a descoberta, ao menos de maneira abstrata, do que era ser um notário, essa profissão que, assim me contaram (e com isso me influíram o ânimo), foi do florentino Petrarco, o pai do famoso Petrarca, profissão notarial de que um dia, muito antes do umanesimo cristiano de Petrarca, deu ilustração o próprio Criador, ao receber as escolhas nominais de Adão, assumindo, na morada inaugural dos homens, a condição de Primeiro Notário das coisas criadas.  E deu-se na sucessiva história que um homem, com o mesmo tipo de patelas que o mais vulgar de seus semelhantes, passou a trazer gravado no coração o atributo de dar fé comunitária do que percebe com seus sentidos e o de atrair sobre seus ombros a pesada responsabilidade de assessorar a todos com prudência e de fazer presumir −assim, a um modo genético, pela só distintiva marca de ser notário− repito: de fazer presumir a todos a exatidão, a integralidade, a veracidade de tudo o que testemunha de maneira qualificada e aconselha de modo prudente no exercício de seu múnus.                  
 
2.    Todas as anexas fés públicas −registral, judiciária, administrativa− derivam da fé notarial, de que são aquelas partes potenciais. É que a fé pública do notário está elevada à emérita situação de ser o prius analógico de todas as fés políticas, porque o notário a exercita em grande número de vezes conhecendo diretamente os fatos −cum causa cognitione−, é dizer que autentica ou verifica os fatos como realidade (ou verdade) porque, de modo muito frequente, ele os percepciona por seus próprios sentidos −isso vai um tanto além do de visis et auditis suis sensibus, mas a função dos aforismos é impressiva e não de definir. Os demais titulares de fé pública, estes, ao revés, inclinam-se a atuar sine causa cognitione, exatamente porque o comum de sua potestade não está em presenciar fatos.
Já isso descortina a graduada qualificação que a comunidade confere ao notário. E mais, porque além de dar fé dos fatos e da identidade dos outorgantes, ao notário cabe avaliar-lhes a aparente liberdade de seu consentimento, assentar a legalidade dos atos e negócios, quando menos no plano formal, e, enfim, tornar de alguma sorte já futuros, por definidos e provados, os acontecimentos que, doutro modo, exigiriam uma frustrânea reprodução de testemunhos, num desafio prometeico a que o notário põe cobro, curando, de comum, as incertezas que assaltariam sem remédio a tranquilidade pública.  
Não é, porém, gratuita essa atribuição de poderes. Diversamente, ela custa e muito de deveres e responsabilidades. Tenha-se em conta que o todo potestativo da fé pública política atende ao fim da segurança jurídica, e esta, como toda causa final, é também uma causa de outras causas, vale dizer que dirige os meios correlativos, influindo os atos todos que, no percurso da formação e da perseverança difusiva da atuação notarial, devem conservar seu indispensável liame com o escopo de custódia e realização dos bens da comunidade.
E se, de um lado, não há segurança jurídica sem seguridade −o que reclama sempre o direito posto−, tampouco ela se dispensa de juridicidade, e dizer juridicidade é dizer conformação com o que é justo, conformação com a coisa justa, conformação com a ordem real do direito objetivo, ordem inscrita na natureza das coisas e nas coisas da natureza −natura rerum et res naturæ−, bem como escrita nas humanas determinações históricas −suposto elas não violem a ordem natural. A célebre e muitas vezes provada afirmação opus iustitiæ pax põe em evidência que a paz −a jurídica inclusive− está sempre condicionada à justiça, e a justiça, virtude que tem por objeto o direito, não se satisfaz com a labilidade do voluntarismo, nem com o menosprezo da lei natural, mas só com a sólida contextualidade da ordem objetiva toda do universo.
Instituição da comunidade, o Notariado, exatamente porque não se insere dentro de uma hierarquia, não é uma repartição do Estado, nem o ocasional reflexo demoscópico de oscilantes opiniões de turno. A função notarial, sobretudo a do tipo latino, cuja memória multissecular antecedeu o próprio Estado, é o exercício de uma procuração em favor da comunidade, é a guarda dos valores, dos ideais e dos símbolos comunitários, incluso −e muito designadamente− de seus princípios ou direitos não negociáveis. O notário não é um servidor estatal, menos ainda um agente dos governos; o mais digno caráter de sua profissão está em que é ele um servus communitatis, um guardião das imposições da natureza e das da história da vida privada, da vida familiar e da vida pública da comunidade.  
Ignorar esse caráter essencial do Notariado −instituição da comunidade histórica−, desprezar sua missão custódia de valores não negociáveis é romper não só com a memória de seu passado, mas também com a esperança de seu futuro.
Num trágico tempo em que institutos jurídicos se assolam pela mudança arbitrária e compulsiva de seus conceitos; num trágico tempo em que a natureza e o contranatural são tidos fictamente como coisas iguais a que se concedem símiles proteções jurídicas −quando não mesmo se prestigia mais a avessidade da natureza do que as normas nela inscritas; num trágico tempo em que desvaecem de modo crescente o valor não negociável da vida humana e o de todos os mais verdadeiros direitos naturais −direitos esses que se arruínam pela multiplicação assídua de falsos novos direitos humanos−, esse trágico tempo, quarto de hora da humanidade, é também a hora em que do Notariado cabe esperar uma voz serena e firme, uma voz ciente e consciente dos deveres, na espessa guarda dos valores da comunidade, dos quais o notário é um dos mais eméritos procuradores.  
 
3.    Por mais se reconheça que a crise de nossos tempos é muito mais do que jurídica, é uma crise moral e, além disso, uma crise lógica −a fobia da razão− e metafísica −o aversamento do ser e a consequente repugnância da natureza, não por isso a crise global pode abdicar do empenho dos juristas em preservar e acrescentar a tradição vivificante de um passado −bem o disse o pensador carlista Víctor Pradera− que se fez presente e tem virtude para ser futuro, guardando-lhe os dons eminentes de seus modos, de suas liberdades concretas, de seus direitos naturais e históricos, cujo abandono é uma grave infidelidade contra nossos Maiores e uma vulneração às gerações que seguem.  
Estando os notários −e isto muito intensamente− chamados a responder pela historicidade da Pátria, pelos bons costumes, pela lei natural, vêm-se pontualmente agora tentados, a um só tempo, por uma deficiência e por um excesso de seus poderes.  Nisso pode resumir-se, com efeito, em dado aspecto, o núcleo do drama contemporâneo da atividade notarial: o de que, de um lado, a independência jurídica do notário não se debilite a ponto de praticamente demitir-se e, em contrapartida, que ela não se avantaje à lei e não a dobre e submeta qual se a única norma de agir fosse a subjetividade de quem age. Tem-se ideia do preço dessas tentações, com a célebre sentença ciceroniana: “Autoridade que se aparta da lei não tem valor de autoridade”.
Pode estranhar que esses riscos fundamentais aflitivos do estatuto ontológico do Notariado, vícios opostos entre si, sejam não apenas seduções simultâneas, mas frutos de um só plexo revolucionário de ideias que, desde a medieval negativa dos universais, oscilou entre o empirismo e o racionalismo, até desaguar no mais despótico dos relativismos −este sob o qual nos toca já agora viver−, relativismo que traz em seus escombros a morte de Deus, e a morte do verdadeiro e do falso, e a morte do bem e do mal, e a morte do direito e do injusto, e que assina a supressão do vazio da vida e da angústia asfixiante das ações intransitivas pela produção febril de novidades. Deus está morto, viva a técnica, viva a eficácia −lasciate ogni speranza, voi che entrate! Quem não vê? Nessa trilha, é o homem que está morto.
Em muitos segmentos da vida jurídica e moral contemporânea apontam-se episódios de deposição do poder. Já não são eles frutos ocasionais da contingente debilidade dos homens, mas consequências de ideologias de abdicação metafísica da verdade ou ao menos da negativa de seu conhecimento, cosmovisões, em suma, que, desamparadas de fins, levam a substituir os preceitos pelos conselhos, as vedações, pelas diretivas, as penas, pelas escusas, as culpas próprias e pessoais, pelas alheias e coletivas e anônimas, as verdades, pelos interesses, o justo, pelas utilidades, a racionalidade, pelas pulsões, o discurso prático −fiel aos ditames da ordem moral−, pela imposição performativa de um maior e mais forte poder humano da hora.
Sob o pretexto de tolerância e o pavilhão da relatividade de todas as proposições, tem-se recusado a verdade objetiva que se lê inscrita na natureza das coisas, como se a tolerância de moda −e aqui se trata de uma tolerância programática− influísse na ordem do conhecimento, quando, com seus estritos limites, ela, essa tolerância, apenas pode dizer respeito à ordem dos comportamentos. E essa relatividade de juízos cognoscitivos −expressão autocontraditória do fundamentalismo relativista− tem correspondência, na ordem moral e do direito, com uma anorexia do bem e, pois, do justo, tal que as funções jurídicas já não teriam finalidade outra que uma expedição burocrática e, se isto for possível −sua glória emérita−, uma escrituração formulária e célere: em vão se pensará agora nas velhas Diké e Thêmis, quando por símbolo da justiça se entroniza o deus Mercúrio, e quando a praxis e a res iusta vão dando lugar ao facere e à utilidade.  
Causaria espanto saber que, entre herdeiros de tão longa e provada experiência notarial, pudera haver uns poucos que não se pejassem da alforria de seu patrimônio histórico, aceitando, resignados, a demissão de sua independência jurídica, quando não, indo mesmo além, fomentando e aplaudindo a inflação de regulativas de turno crescentemente ablatórias já agora da própria forma histórica do Notariado de tipo latino. Nele, a independência notarial é um suposto ontológico; preceito algum pode haver que se avesse dessa qualidade historicamente conatural, de sorte que, vindo um dia a dar-se erosão da independência jurídica do notário, já não haverá o Notariado latino. Alguma coisa o terá sucedido, mas sem independência jurídica, já não será o Notariado latino, já não se verão os herdeiros de Petrarco.
A essa breviatio manus −em que se dá, alguma vez, a atração do escambo da liberdade jurídica por um prato fundo de lentilhas− opõe-se um vício contrário: o do ativismo jurídico.  O ativismo, em todo seu gênero, assedia de modo universal: já se vê que, com ele, não foi Maria quem escolheu a melhor parte, senão que Marta, angustiosa e afadigada de tantas coisas.  É fartamente conhecida, celebrada pelos séculos, a passagem com que Aristóteles, na Retórica, falando embora diretamente dos juízes, assentou o erro do ativismo jurídico em geral: “muito especialmente −disse o Filósofo− corresponde às leis bem dispostas tudo determinar por si, enquanto seja possível, deixando aos que julgam o menos possível”. E na sua trilha, tempos depois, veio este abono consagrador do sábio que foi S.Tomás de Aquino: “impõe-se a necessidade, sempre que seja possível, de instituir uma lei que determine como se há de julgar, e de deixar pouquíssimos assuntos à decisão dos homens” −paucissima arbitrio hominum commitere. Ainda no século passado, entretanto, não faltaram vozes de amparo ao ativismo jurídico, especialmente o judicial, e entre elas algumas de reconhecido e autorizado vulto, assim a do romanista espanhol Alvaro D’Ors, para quem o direito é “aquello que aprueban los jueces”. E essa espécie de livre exame jurídico ganhou altura em nossos tempos, que, bem por isso, pode professar-se um tempo de incertezas, abandonado ao extremo de empolgar o principialismo e decisões manipulativas, não raro contra legem posita.
 
4.    Bem se vê nesse quadro que o Notariado −que tem por vocação, sempre é de referir, a segurança jurídica−, tendo embora de atuar, ordinariamente, secundum legem (embora não lhe falte o dever de conduzir-se præter legem para resguardar o direito de não se vedarem as liberdades que a normativa permita), não pode, todavia, ficar aquém de seu direito (e dever) de independência, nem oficiar em contrário da legalidade e da veracidade. Assim o disse Rodríguez Adrados, o salamantino grande notário que foi de Madrid, “a autenticidade ou certeza legal que a fé pública imprime ao documento notarial seria, com efeito, grandemente perigosa para a segurança jurídica se o notário a pudesse prestar segundo seu livre arbítrio” −é dizer, de modo arbitrário.
É talvez a hora presente −em que pese ao fato de a hiperinflação normativa ser um instrumento de desconstrução da reta ordem política (lembra-me aqui a sentença atribuída a Tácito: corruptissima respublica, plurimæ leges)−, é acaso a hora adequada para, entre nós, pensar-se em uma codificação notarial, que, de começo, afirme e garanta a integridade jurídico-política do labor do notário, inibindo, de um lado, os excessos privatísticos que podem conduzir a uma sua falsa redução empresarial, mas, também, de outro lado, afaste os exageros, com que, assumindo tarefas urbanísticas, tributárias, quando não mesmo de investigação penal, o notário se vá funcionarizando, com o desprestígio correspondente junto à comunidade que o instituiu e ainda reclama como custódio imparcial de interesses tanto públicos, quanto privados.
Precisamos, com efeito, assim me parece, de um Código do Notariado latino brasileiro, um Código que, para logo, estimule o interesse pelo autônomo segmento do Direito Notarial −hoje tantas vezes resumido, nas academias, a um capítulo do Direito civil. Um Código que especialmente nos permita definir e acolher em preceitos, de maneira expressiva −como convém a uma instituição cifrada à segurança jurídica−, os temas nucleares da atuação notarial, tais os que dizem, à partida, com a verdade, a legalidade e a profissionalidade, e, na sequência, de modo articulado, progressivo e em conformação com nossa realidade histórica e circundante, outros muitos aspectos da função dos notários. Assim, a título de exemplos, tem de demarcar-se a pertinência da rogação notarial e indicar seu meio de prova, cuidar da autoria das escrituras e atos, da dação de fé pública, da livre eleição do notário pelos interessados, da imparcialidade notarial, dos contornos de seu dever de sigilo, da imediatidade do notário −e com muita prudência acerca de suas exceções, que hão ser poucas. E via dicendo, incluindo uma clara definição sobre a personalidade física ou jurídica dos ofícios notariais e até mesmo a disciplina justa e minuciosa o quanto possível para que, em resguardo da independência profissional dos notários, possam eles desfiar objeção de sua consciência sempre que uma lei aparente −legis corruptio− se divorciar da lei natural.
Precisamos, parece-me e prontamente, de um Código para nosso Notariado, porque uma instituição destinada a conceder segurança jurídica não pode atuar sob a inspiração de princípios, já porque desses princípios −sendo eles de formação doutrinária− não descendem os direitos, senão que é todo o revés disso: são dos direitos que se induzem e depuram progressivamente os princípios, uma vez que as regras se vão inventando a partir da concreta experiência jurídica e não por meio de uma espécie de dedução principiológica e abstrata, como se o direito fosse o resultado de uma geometria legale, tal o disse o saudoso Francesco Gentile, da Universidade de Pádua.
Precisamos logo de um Código que estabeleça claramente os deveres profissionais dos notários, porque a experiência confirma que todos se põem de acordo em exigir a observância da moral enquanto ela se posa quase de indeterminada, já que, nesse passo, ao menos se adere de modo implícito ao incontornável bonum faciendum et malum vitandum, primeiro princípio da razão prática. Basta, porém, que se passe a alguma singularização de comportamentos −ou seja, à menor do discurso prático−, para já aí se insinuarem discussões e conflitos, sobremodo agudos em tempos de crise de racionalidade, quando se põe em xeque a própria existência do bem e do mal. Por isso mesmo, não é nada prudente admitir, para reclamar e impor condutas morais, a adoção de elementos normativos quanto aos tipos éticos, elementos esses, como se sabe, que se reportam a princípios elásticos −assim, os de honestidade, de imparcialidade, de legalidade e o de lealdade às instituições (estou aqui a pensar no art. 11 da Lei nacional nº 8.429, de 1992, matriz que, ora com mais, ora com menos engenho e arte, vem pondo à mostra o exercício daquilo que Néstor Pedro Sagüés chamou de “alquimia interpretativa”). Não: um direito sancionador não pode ficar entregue à volubilidade das interpretações judiciais, por mais bem intencionadas sejam, senão que precisamos de uma tipologia objetiva, subjetiva e penal para segura e justamente prevenir e reprovar os ilícitos.
Além do mais, é urgente estabelecer entre nós uma disciplina sobre o valor e os limites do controle da legalidade notarial, nomeadamente para coordená-la com o não raro sobreposto controle registrário. Definir o que compete a um e a outro desses controles é, com efeito, duplicar vantajosas garantias, e se o Notariado brasileiro não pode retroceder a uma atuação amanuense, tampouco o ofício registral pode abdicar de seu papel qualificador: é imperiosa a disciplina legal do relacionamento dessas duas notáveis instituições da segurança jurídica, para assim evitar imbricações conflitivas que, no fim e ao cabo, instauram uma fronteira de confusão em vez da certeza e da tranquilidade esperadas com esses controles.  
Também a um Código de Notariado caberia a missão de restabelecer as bases −nisto aprofundando trilhas que já vêm sendo entre nós caminhadas de algum modo− de uma sólida organização corporativa, para fortalecer-lhe o ofício e a defesa institucional, pondo empenho, por meio de regulações autônomas, na consecução do bem comum profissional dos notários.
Estaria bem disposto a prosseguir por algum tempo incursionando nesses temas variados e de todo relevantes, não se dera que me lembre agora ser eu aqui apenas um profano, quer dizer, uma espécie de pequeno paisano em meio a militantes do Notariado. E que faço eu, pois, aparentando, de modo pretensioso, ensinar o Pater noster num Congresso de cardeais, bispos, párocos e vigários do Notariado? É bem verdade que o latim saiu de moda… e com ele, ao que parece, evadiram-se os bons modais da liturgia. Scusi, talvez eu nunca devera ter ido aqui além da saudação com que, faz tempo −já lhes disse, eu era pouco mais que um menino−, pensara dirigir-me aos notários que um dia eu tivesse a honra de conhecer: “Eis aí vossa memória: sois colegas de Petrarco, o pai de Petrarca...”. Mas agora, agora que eu sou velho −e ser velho é causa de uma vergonha natural−, agora que sou velho, eu completaria: “Notários de minha Pátria, desta antiga Terra de Santa Cruz, sede o que deveis retamente ser…Vosso primeiro exemplar, não vos esqueçais, foi e ainda é o Arquinotário de todas as coisas criadas”.
Autor: Ricardo Henry Marques Dip é desembargador do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJ-SP)
Fonte: Colégio Notarial do Brasil - Conselho Federal     

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