Sete ministros votaram pela validade de
dispositivos do marco legal das garantias. Ministra Cármen Lúcia divergiu.
STF formou maioria pela validade dos
dispositivos do marco legal das garantias (lei 14.711/23) que
autorizam a consolidação extrajudicial da propriedade e a busca e apreensão de
bens móveis e imóveis em contratos com garantia fiduciária e hipoteca.
Até o momento, ministros Cristiano Zanin,
Alexandre de Moraes, André Mendonça, Edson Fachin, Gilmar Mendes e Luiz Fux,
acompanharam, integralmente, o relator, ministro Dias Toffoli.
Ministro Flávio Dino também o acompanhou
na maior parte do voto, no entanto, fez ressalva com relação à execução
extrajudicial por meio do Detran. Para Dino, o art. 8º-E da norma é
inconstitucional ao delegar atos de constrição patrimonial a órgãos administrativos
e empresas privadas sem controle judicial.
Ministra Cármen Lúcia divergiu. Para S.
Exa., os procedimentos extrajudiciais previstos na lei violam garantias
fundamentais como o devido processo legal, a inviolabilidade do domicílio e a
cláusula de reserva de jurisdição.
O julgamento ocorre no plenário virtual e
os ministros têm até as 23h59 desta segunda-feira, 30, para proferirem votos,
pedirem vista ou destaque das ações.
As ADIns foram ajuizadas pela União dos
Oficiais de Justiça do Brasil, pela Associação dos Magistrados Brasileiros e
pela Associação Nacional dos Oficiais de Justiça, Avaliadores Federais e
Associação Federal dos Oficiais de Justiça do Brasil.
Elas questionam os arts. 8º-B a 8º-E
do decreto-lei 911/69, com a redação dada pela lei 14.711/23. Eles
preveem:
Consolidação extrajudicial da propriedade
fiduciária por meio de cartório;
Procedimento de busca e apreensão
administrativa;
Regras para execução extrajudicial de
hipotecas e garantias em concurso de credores;
Possibilidade de realização de leilões
extrajudiciais e alienação direta.
As entidades sustentam que tais medidas
violam a reserva de jurisdição, o devido processo legal, a inviolabilidade de
domicílio e o princípio da dignidade da pessoa humana, ao permitirem constrição
de bens sem autorização judicial.
Em agosto de 2024, o procurador-Geral da
República, Paulo Gustavo Gonet Branco, emitiu parecer defendendo a
constitucionalidade do marco legal das garantias. O PGR pediu a improcedência
das ações diretas de inconstitucionalidade, afirmando que as normas da lei
garantem o devido processo legal e respeitam o direito de propriedade, sem
impedir o acesso ao Judiciário.
Maioria do STF entende pela validade de
dispositivos do marco legal das garantias que autorizam busca e apreensão
extrajudicial.(Imagem: Adobe Stock)
Voto do relator
O relator, ministro Dias Toffoli,
reconheceu a constitucionalidade dos procedimentos extrajudiciais, ao afirmar
que a atuação de cartórios e instituições administrativas não exclui o controle
judicial posterior, conforme assegurado pela CF.
Segundo Toffoli, a execução extrajudicial
é facultativa e depende de cláusula expressa no contrato.
O procedimento, além de assegurar
notificação do devedor e oportunidade para impugnar a cobrança, não elimina o
direito de recorrer ao Judiciário. Assim, não há ofensa ao art. 5º, XXXV, da
CF, que garante a inafastabilidade da jurisdição.
Quanto à busca e apreensão, o ministro
destacou que os dispositivos não autorizam o ingresso forçado em domicílios,
nem uso de força por particulares. A apreensão pode ocorrer apenas por meios
administrativos, como o bloqueio eletrônico de circulação de veículos, ou por
entrega voluntária do bem.
Toffoli também rechaçou a alegação de que
as normas violariam o direito à propriedade ou ao devido processo legal,
ressaltando que as garantias constitucionais permanecem resguardadas no novo
modelo.
A execução extrajudicial, segundo o
relator, moderniza o sistema de crédito, reduz a judicialização e estimula a
eficiência econômica, ao conferir mais celeridade na recuperação de garantias
sem sacrificar os direitos dos devedores.
Contudo, o relator votou por conferir
interpretação conforme à Constituição a alguns trechos da lei, especialmente
quanto à apreensão do bem.
Determinou que os atos extrajudiciais
devem respeitar direitos fundamentais do devedor, como a vida privada, honra,
imagem, inviolabilidade do domicílio e proibição do uso privado da violência.
Ao final sugeriu a seguinte tese de
julgamento:
"1. São constitucionais os
procedimentos extrajudiciais instituídos pela Lei nº 14.711/23 de consolidação
da propriedade em contratos de alienação fiduciária de bens móveis, de execução
dos créditos garantidos por hipoteca e de execução da garantia imobiliária em
concurso de credores.
2. Nas diligências para a localização do
bem móvel dado em garantia em alienação fiduciária e em sua apreensão,
previstas nos §§ 4º, 5º e 7ºdo art. 8º-C do Decreto-Lei nº 911/69 (redação da
Lei nº 14.711/23), devem ser assegurados os direitos à vida privada, à honra e
à imagem do devedor; a inviolabilidade do sigilo de dados; a vedação ao uso
privado da violência; a inviolabilidade do domicílio; a dignidade da pessoa
humana e a autonomia da vontade."
Ressalvas
Ministro Flávio Dino concordou com a maior
parte do voto do relator, citando precedentes do STF que já validaram a
execução extrajudicial em garantias hipotecárias (tema 249) e em contratos com
alienação fiduciária de imóveis (tema 982).
Para S. Exa., esses procedimentos não
afrontam a CF, desde que assegurado o acesso ao Judiciário e respeitado o
contraditório na esfera administrativa.
A divergência surgiu quanto ao art. 8º-E,
que autoriza a execução extrajudicial de veículos por meio do Detran e empresas
privadas credenciadas. Segundo Dino, esse modelo compromete a segurança
jurídica e os direitos do devedor, pois os Detran não é fiscalizado pelo
Judiciário e não possui prerrogativas jurídicas para garantir autenticidade e
legalidade dos atos.
O ministro destacou que, ao contrário dos
cartórios - cujos oficiais são profissionais do Direito e investidos por
concurso -, o Detran apenas processa formalmente os pedidos. A contestação da
dívida é feita diretamente ao credor, que decide unilateralmente pelo
prosseguimento da execução e pode, inclusive, requisitar apoio policial para
apreensão do veículo.
Para Dino, essa sistemática concentra
poder no credor e elimina qualquer instância de controle sobre os atos,
inclusive a possibilidade de defesa prévia perante autoridade pública. Assim,
votou por declarar a invalidade do art. 8º-E e parágrafo único.
Nos demais pontos, acompanhou o relator na
interpretação, conforme a Constituição dos §§ 4º, 5º e 7º do art. 8º-C,
reforçando a proteção à dignidade da pessoa humana e aos direitos fundamentais
do devedor.
Divergência
Para ministra Cármen Lúcia, os
procedimentos extrajudiciais de consolidação da propriedade, busca e apreensão
de bens móveis, e execução de hipotecas e garantias imobiliárias violam
direitos e garantias fundamentais assegurados pela CF.
Em voto, a ministra sustentou que as
normas impugnadas contrariam o devido processo legal (art. 5º, LIV), a
inviolabilidade do domicílio (art. 5º, XI), e a reserva de jurisdição -
cláusula que exige ordem judicial para atos como a busca e apreensão de bens.
Criticou especialmente a possibilidade de diligências realizadas por empresas
privadas sem controle judicial.
Segundo Cármen, permitir que oficiais de
cartório ou agentes privados pratiquem atos típicos de coerção estatal
configura "desjudicialização indevida de garantias constitucionais".
A seu ver, a CF não admite que medidas que
afetem a propriedade ou a posse sejam tomadas sem a devida supervisão judicial.
A ministra reconheceu que a Corte já
validou, em outros momentos, procedimentos extrajudiciais - como na execução
hipotecária do SFH (tema 249) e da alienação fiduciária de imóveis (tema 982).
Contudo, reiterou a posição vencida nesses julgados, reafirmando que tais
procedimentos ferem o direito de defesa e o devido processo legal ao
restringirem o acesso imediato à Justiça.
S. Exa. também citou precedentes do STF
que reconhecem a reserva de jurisdição para medidas de indisponibilidade de
bens e de busca e apreensão, como nas ADIns 1.668 e 5.881. Afirmou que, mesmo
sob a justificativa de desburocratização, não se pode esvaziar o papel do Poder
Judiciário.
Cármen Lúcia votou pela procedência total
das ações, declarando inconstitucionais os arts. 6º, 9º e 10 da lei 14.711/23 -
que introduzem os arts. 8º-B a 8º-E no decreto-lei 911/69 e regulam as
execuções extrajudiciais. Para S. Exa., tais dispositivos atentam contra a CF
ao permitirem medidas de constrição patrimonial sem decisão judicial.
Processos:
ADIns 7.600, 7.601 e 7.608.
Fonte: https://www.migalhas.com.br/quentes/433681/stf-forma-maioria-para-validar-busca-e-apreensao-extrajudicial-de-bens