"Para um pai e uma mãe nunca há pedras para criar e
defender seus filhos", afirmou o magistrado, ao declarar o homem indigno
para sucessão.
No DF, um pai chamado José Alencar foi excluído da sucessão
de bens deixados por sua filha, por indignidade. A decisão foi fundamentada na
comprovação de abandono material e afetivo por parte do pai durante a vida da
filha, que tinha deficiência.
Em sentença na qual enfatizou as responsábilidade da figura
paterna, o juiz de Direito substituto Manuel Eduardo Pedroso Barros, da 1ª vara
Cível de Samambaia/DF, observou a curiosa coincidência de o nome do réu remeter
a um dos maiores romancistas da literatura brasileira, e citou Drummond para
dizer que, apesar das pedras no caminho, "para um pai e uma mãe nunca há
pedras para criar e defender seus filhos".
"Ainda que esse magistrado, como Carlos Drummond de Andrade,
reconheça que no meio do caminho tinha uma pedra; tinha uma pedra no meio do
caminho; Tinha uma pedra; entendo que, para um pai e uma mãe nunca há pedras
para criar e defender seus filhos. Não há obstáculos que não possam ser
superados. Ser pai é uma missão; não é mera reprodução. Ser pai é dar amor,
carinho e proteção; ser amigo leal nas horas certas e severo com brandura
quando for preciso."
Para o magistrado, o pai da falecida não cumpriu com suas
obrigações parentais, negligenciando o cuidado e a assistência à filha, devendo
ser declarado indigno para efeito de sucessão de bens deixados por ela.
A ação de exclusão de herdeiro por indignidade foi movida
pelo irmão da falecida. Ele alegou que o pai se divorciou da mãe em 1988 e
nunca prestou a devida assistência à filha, tanto no âmbito material quanto
afetivo; não acompanhou em consultas médicas ou ajudou com medicamentos. A
ausência se estendeu por quatro décadas.
O irmão e sua mãe adquiriram um imóvel junto à Sociedade de
Habitação de Interesse Social, além de um veículo com concessão para Táxi. Após
a morte da mãe, e posteriormente da irmã, o pai buscou sua parte nos bens.
O juiz, ao analisar as provas, entendeu que a conduta do réu
configura indignidade, justificando a exclusão da herança. Ele observou que,
embora a doutrina, em sua maioria, entenda que o art. 1.814 do CC não
admite interpretação extensiva, e que portanto abandono material e afetivo não
deveriam ser causas de indignidade, afirmou que jamais admitiria a aplicação da
lei para justificar uma situação injusta. "Cabe ao juiz, diante de tal
ocorrência, afastar a lei e fazer justiça. Juiz não é boca da lei."
"Não litigue, Sr. José, pela herança de uma filha que o
senhor não criou; não litigue pela cota parte de um lar que você não habitou;
não litigue por um amor que você não semeou; não litigue!"
Ele destacou que, em que pese a juntada de algumas fotos em
ocasiões festivas, "o conjunto probatório é forte no sentido de que o
réu foi um pai ausente nos quarenta anos que se passaram".
"A ausência de um pai vivo certamente é pior que a
ausência do pai que já se foi. São marcas difíceis de superar, talvez aos dois
lados. Um por arrependimento (quando há); outro pelas marcas que a vida
deixou."
Ao fundamentar sua decisão na teoria da tipicidade
conglobante e em precedentes do STJ, o juiz declarou o homem indigno para
suceder os bens deixados por sua filha, e ele foi condenado a pagar custas
processuais e honorários advocatícios.
Processo: 0716392-43.2021.8.07.0009
Leia a decisão.
Fonte: Migalhas