A atividade notarial brasileira, com
mais de quatro séculos, adapta-se às novas tecnologias como blockchain e smart
contracts, mantendo sua relevância e função tradicional.
1. Introdução
A atividade notarial, uma das mais tradicionais do
Brasil, inovou desde a instalação do primeiro Tabelionato no Brasil, quando o
governador Mem de Sá nomeou Pero da Costa para responder pelo 1º Ofício de
Notas do Rio de Janeiro, há 458 anos1. Desde então, a função notarial passou
por profundas transformações, perpassando a mera autenticação de atos
jurídicos. Nos dizeres de Kassama2,
[...] o afazer do notariado surge então não mais
como uma forma de autenticar, mas como um acoplamento estrutural entre um
sistema psíquico natural e um sistema de comunicação jurídico que naturalmente
dispõe de "amortecedores" para que a transição entre o mundo
psicológico individual possa se expressar de forma mais correta e garantida
possível ante o sistema formal do direito.
Em outros termos, o notário atua preventivamente
para garantir que a manifestação da vontade das partes seja dotada de plenos
efeitos conforme o ordenamento jurídico. Desse modo, em harmonia com o que o
referido autor denomina como "tecnologia de cautela" da atuação
notarial, vislumbra-se a possibilidade de utilização da estrutura
descentralizada da rede blockchain e dos smart contracts como suporte aos atos
notariais, o que deve levar ao aumento da transparência e da confiabilidade dos
dados disponibilizados na rede, da eficiência e da segurança jurídica dos
serviços notariais.
Neste estudo, a atuação notarial é observada sob o
aspecto da atividade de qualificação adequada da vontade das partes nas
categorias jurídicas oferecidas pelo ordenamento jurídico, vontade, esta, que,
muitas vezes, não é plenamente conhecida pelas próprias partes contratantes
antes da atuação do notário. Nessa linha, confira-se, em tradução livre, a
lição de Petrelli3:
A investigação das intenções das partes permite
alcançar este objetivo, através de uma atividade aprofundada [...] por meio
dessa atividade, o tabelião - interagindo com as partes - identifica sua real
intenção (que às vezes elas mesmas não conhecem plenamente, desconhecendo as
possibilidades oferecidas pelo ordenamento jurídico e seus limites). Por
conseguinte, coloca essa intenção prática, através da atividade adequada de
qualificação, nas categorias jurídicas oferecidas por esse sistema jurídico.
Em razão dessa atividade de desvendamento e
formalização da vontade das partes, é mister compatibilizar as novas
tecnologias com a já tradicional função notarial. Nesse sentido, almejando
traçar uma perspectiva sobre a importância e o papel do notariado no futuro, considerando
o impacto das tecnologias emergentes, como os smart contracts e a blockchain,
interessante mencionar o que dispõem Didier Jr. e Fernandez4:
É fácil perceber que algumas características típicas
da blockchain, como a imutabilidade, a transparência e a correção de dados, são
perfeitamente compatíveis com o regime jurídico das serventias extrajudiciais,
que visa assegurar a publicidade, a autenticidade, a segurança e a eficácia dos
atos jurídicos (art. 1º, da lei 8.935/94).
Percebe-se que a tecnologia atual ainda não consegue
captar adequadamente a vontade humana, a qual é altamente subjetiva e
influenciada por fatores emocionais. A título exemplificativo, veja-se que a
máquina não percebe se uma decisão foi tomada sob coerção ou pressão, bem como
não capta a presença de assimetrias informacionais na relação entre as partes
contratantes, o que é um problema recorrente em diversos negócios jurídicos e
amplamente estudado no campo da economia comportamental. O notariado passa,
então, a desempenhar relevante função que se compatibiliza com a utilização dos
smart contracts.
Assim, a autoridade do notariado em interpretar e
validar a vontade das partes envolvidas em atos jurídicos, ao invés de
suplantada, é complementada pelos benefícios que a tecnologia blockchain e os
smart contracts podem trazer, de modo que se buscará investigar a harmonia e os
benefícios da utilização das novas tecnologias nos serviços notariais.
Confira
aqui
a íntegra do artigo.
Fonte: Migalhas