Recente decisão proferida em 4 de junho de 2024
pela 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, no REsp 1.503.485, relator
ministro Antonio Carlos Ferreira, examinou a relação entre o contrato de mútuo
e a alienação fiduciária em garantia, fixando-se a orientação de que a
prescrição da cobrança da obrigação ajustada no contrato de mútuo não implica a
extinção da obrigação do devedor prevista na alienação fiduciária em garantia
de sorte que não impede a recuperação dos bens por parte do credor fiduciário
em ação de busca e apreensão.
No caso concreto, a empresa devedora argumentou
que a prescrição da cobrança do contrato principal também extinguiria o
contrato acessório da garantia, o que lhe permitiria manter o maquinário
alienado.
Com efeito, a alienação fiduciária em garantia
consiste num contrato pelo qual o devedor, para fins de garantia própria ou de
terceiro, transmite a propriedade resolúvel de bem imóvel ou móvel em favor do
credor, a teor do artigo 22 da Lei 9.514/1997.
Trata-se de direito real de garantia muito
utilizado em operações de crédito em geral, como em contratos de compra e venda
no sistema financeiro imobiliário e em mútuos no sistema financeiro, em que o
bem adquirido pelo devedor, mediante crédito concedido pelo credor, responde
pela dívida.
Em razão da ligação com contrato de compra e
venda ou de mútuo, no qual há a concessão de crédito para a aquisição do bem,
entende-se que a alienação fiduciária é, pois, contrato acessório voltado à
garantia do pagamento do crédito fornecido ao devedor para viabilizar a
alienação.
A alienação fiduciária em garantia não tem vida
jurídica autônoma, mas sempre está associada a uma relação de acessoriedade com
contrato principal, isto é, a alienação fiduciária é um contrato essencialmente
vinculado à sua finalidade, concebido e desenhado com o nítido intuito de
atender às necessidades de proteção ao crédito em face do risco de
inadimplemento (REsp 1.513.190, relator ministro Marco Aurélio Bellizze).
Tanto é verdade que, em havendo o adimplemento da
obrigação do contrato principal, a alienação fiduciária em garantia desfaz-se
de pleno direito, consolidando a propriedade plena na pessoa do devedor.
De outro lado, em havendo o inadimplemento
contratual do devedor, a legislação civil confere ao credor duas opções de
demandas, a saber: ação de execução/cobrança da dívida ou ação de recuperação
da coisa (busca e apreensão para bens móveis e reintegração de posse para bens
imóveis).
A única finalidade para a retomada judicial do
bem é levá-lo a leilão extrajudicial para que o produto da venda se destine ao
pagamento da dívida. Neste contexto, não se permite que, em razão do
inadimplemento do devedor, o credor retome o bem para simplesmente manter
consigo.
Isso porque o Código Civil, em seus artigos 1.365
e 1.428, impõe aos direitos de garantia a regra do pacto comissório, em razão
da qual é nula a cláusula que autoriza o credor real a ficar com o objeto da
garantia, se a dívida não for paga no vencimento. Deve o bem dado em garantia
real ser levado a leilão extrajudicial, não podendo o credor retê-lo para si.
Voltando ao caso concreto, parece-nos que,
restando configurada a prescrição da cobrança da obrigação prevista em contrato
principal de mútuo, igual destino deve ter o contrato acessório de alienação
fiduciária em garantia, em conformidade com a máxima de que o acessório segue o
principal.
Não há lógica jurídica em não estender à
alienação fiduciária a prescrição do contrato principal de mútuo, uma vez que a
pretensão da retomada do bem destina-se, única e exclusivamente, a levá-lo a
leilão extrajudicial, cujo escopo é o pagamento da dívida.
Portanto, se a dívida prevista no contrato
principal encontra-se prescrita, não há como legitimar a retomada do bem, eis
que o contrato de alienação fiduciária é acessório ao principal de mútuo.
Fonte: Conjur