O mercado de carbono, sua
regulamentação, os desafios e as oportunidades para o país foram alguns dos
tópicos discutidos durante o seminário Aspectos Jurídicos do
Mercado de Carbono no Brasil, nesta quinta-feira (16), no Superior
Tribunal de Justiça (STJ). O evento aconteceu no auditório externo do
tribunal e foi organizado em parceria com a Advocacia-Geral da União (AGU) e o
Conselho da Justiça Federal (CJF). Houve transmissão ao vivo pelo canal do STJ no YouTube.
Mediado pelo ministro Ricardo
Villas Bôas Cueva, o painel "Economia-Mercado de Carbono" contou com
a participação do professor Alexandre Betinardi Strapasson, do Centro de
Desenvolvimento Sustentável da Universidade de Brasília. Segundo o docente,
existem duas formas de induzir o mercado regulado de carbono nos países: por
meio do crédito de carbono e do carbon tax (imposto
de carbono). Para estimular esse mercado no Brasil, ele ressaltou a importância
da regulamentação da matéria, a qual precisa ser "bem-feita e sem
sobrecargas" para evitar que os investidores busquem outros países.
O professor apresentou um
levantamento do total de projetos de mercado de carbono no mundo, entre 2004 e
2024, dos quais 47,1% são da China e 4,7% do Brasil – número que considerou
pequeno diante do potencial do país. Segundo informou, o Brasil teve cerca de
400 projetos ao todo e reduziu no Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL) 56
milhões de toneladas das emissões de carbono. Contudo, ele ressaltou que o
número é muito inferior em relação ao que é emitido por ano, cerca 2,3
gigatoneladas.?????????
Para o ministro Ricardo
Villas Bôas Cueva (ao centro), o Brasil está atrasado no debate sobre o mercado
de carbono, mas o potencial a ser explorado é enorme.?Cristina Fróes de Borja
Reis, subsecretária de Desenvolvimento Econômico Sustentável do Ministério da
Fazenda, lembrou que o Brasil optou por aderir ao mercado de carbono. Apesar de
difícil regulação, explicou, é uma forma eficiente de mitigar as emissões, pois
cria oferta e demanda, bem como gera incentivos econômicos para que os agentes
reduzam suas emissões. A subsecretária detalhou o Projeto de Lei 2.148/2015,
que regulamenta esse mercado no Brasil e está em tramitação no Congresso
Nacional, o qual traz definições importantes para o cumprimento dos contratos
que vão ser estabelecidos.
Na sua avaliação, as dimensões
meio ambiente, sociedade e economia "não são dissociáveis, devendo o
desenvolvimento sustentável ter a maior integridade possível" – daí a
importância, disse, da regulamentação do mercado de carbono bem-feita,
"para permitir a maior eficiência da economia, mas olhando para aqueles
que são mais vulneráveis".
Bruno Brasil, da Secretaria de
Inovação, Desenvolvimento Sustentável, Irrigação e Cooperativismo do Ministério
da Agricultura e Pecuária, ressaltou que o mercado de carbono é um instrumento
estratégico para a competitividade dos setores econômicos neste século. "É
ingênuo achar que estamos falando de uma agenda puramente ambiental. Tomar
vantagem de instrumentos econômicos que permitam alavancar e manter a
competitividade de diversos setores do país é fundamental", avaliou.
Para ele, é fundamental ter
segurança jurídica quanto à titularidade dos créditos de carbono e dos ativos
derivados, sendo necessário estabelecer as competências de cada ente, e das
organizações, bem como uma governança equilibrada, objetiva, técnica e com
representatividade dos setores afetados.
O primeiro painel da tarde,
sobre "Mercado de carbono como instrumento para fomentar o meio ambiente
ecologicamente equilibrado", foi mediado pela procuradora-chefe da Procuradoria
Nacional de Defesa do Clima e do Meio Ambiente, Mariana Barbosa Cirne. Para
ela, o evento do STJ foi uma grande oportunidade para fazer uma discussão
jurídica "de um tema que é muito caro a todos nós, que é o mercado de
carbono".
Camila Gramkow, oficial de
assuntos econômicos da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe,
falou sobre a importância do mercado de carbono como instrumento fundamental de
desenvolvimento econômico e como indutor de redução dos gases de efeito estufa.
"O mundo está em um novo contexto, e vimos surgir políticas de recuperação
verde desde a pandemia da Covid-19. A principal mensagem que isso passa é não
questionar mais o aquecimento global, mas sim qual o melhor curso de
ação", disse.
Segundo analisou Gramkow, os
modelos de desenvolvimento dos países latino-americanos são insustentáveis nos
três pilares: econômico, social e ambiental. Para a especialista, não é
possível fomentar o mercado de carbono de forma isolada, sendo preciso fazer
uma combinação de políticas públicas para obter resultados positivos nessas
frentes. "Um portfólio de políticas pode levar a indústria à sua mínima
trajetória possível de emissões de gás carbônico, contribuindo para a
sustentabilidade ambiental e o progresso socioeconômico", comentou.
O secretário-executivo adjunto
do Ministério da Fazenda, Rafael Dubeux, falou sobre o plano de transformação
ecológica – conjunto de iniciativas do governo federal para promover um novo
modelo de crescimento econômico, sendo uma das peças fundamentais o mercado
regulado de carbono. Segundo ele, esse plano tem três grandes objetivos:
aumentar a produtividade da economia brasileira, desenvolvendo e difundindo
inovações tecnológicas; desacoplar a curva de crescimento econômico da de
impacto ambiental, ou seja, ter ganhos de produtividade e ao mesmo tempo
diminuir o impacto ambiental; e ter um crescimento mais redistributivo.
De acordo com Dubeux, hoje o
Brasil tem um mercado voluntário de carbono, segundo o qual uma empresa
compensa suas emissões comprando o crédito de atividades que retiram gases da
atmosfera – como a de reflorestamento. Já o mercado regulado de carbono,
destacou, replica um modelo já adotado em alguns países, chamado de cap
and trade. Segundo o secretário, esse modelo coloca um teto
nacional de limite de emissões e cada empresa tem que comprar uma cota para
poder emitir além do limite estabelecido para a sua atividade. "Esse teto
é declinante com o tempo e sinaliza para a empresa que ela não pode continuar
poluindo da mesma forma, e que precisa descarbonizar o seu processo
produtivo", explicou.
A advogada Natascha Trennepohl,
especialista em meio ambiente, lembrou que a expansão global dos mercados
regulados de carbono é uma flexibilidade do protocolo de Quioto, uma vez que
traz oportunidades para que as empresas tenham metas de redução das emissões
com a possibilidade de utilizar os créditos de carbono. Para ela, não adianta
desenvolver um mercado, um arcabouço regulatório, com metodologias e formas de
certificação que funcionem apenas para o mercado nacional, sem a previsão de
que no futuro possa haver uma conexão com outros mercados e com a própria
utilização de créditos de outros mercados.
"Os caminhos para fomentar
a sustentabilidade através do mercado de carbono requerem preparação,
implementação e reavaliação, uma vez que não é possível fazer uma regulação
perfeita", observou.
No painel "Mercado
voluntário de carbono – oportunidades e complexidades", o diretor de
políticas de controle do desmatamento e queimadas do Ministério do Meio
Ambiente e Mudança do Clima (MMA), Raoni Guerra Lucas Rajão, abordou marcos
regulatórios que tratam do REDD+, denominação de um incentivo criado no âmbito
da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC) para
recompensar financeiramente países em desenvolvimento por seus resultados de
redução de emissões de gases de efeito estufa provenientes do desmatamento. Ele
considera ainda o papel da conservação de estoques de carbono florestal, manejo
sustentável de florestas e aumento de estoques de carbono florestal.
"O desafio que está posto
hoje é o seguinte: como é possível, a partir de um resultado único, garantir
que não haja dupla contagem de crédito e a correta distribuição de benefícios
entre os vários atores? Hoje já existe na Comissão Nacional de REDD+ (Conared)
uma distribuição de 40% para o governo federal – em que é utilizado o Fundo
Amazônia – e 60% para os estados. Esses, por sua vez, têm autonomia para obter
recursos com financiadores, via doações ou crédito de carbono", explicou o
representante do MMA.
A defensora pública do Pará
Andreia Barreto compartilhou sua experiência em relação às demandas que recebe
de comunidades tradicionais do estado. Segundo ela, não se pode falar de
regulação do mercado de crédito de carbono sem considerar os problemas
fundiários históricos do país.
"O que parece uma
propriedade privada nem sempre o é. O estado do Pará já tinha nos informado que
não havia autorizado nenhum projeto sobre áreas de assentamento
agroextrativista, mas as comunidades, por outro lado, estavam relatando a
entrada de pessoas sem terem participado das negociações", revelou a defensora
pública.
Em seguida, a pesquisadora do
Programa de Pós-graduação em Direito do Instituto Brasileiro de Ensino (IDP)
Roberta Amanajás apresentou dados de seus trabalhos sobre a violação de
direitos humanos de comunidades tradicionais, como povos indígenas e
quilombolas. Ela trouxe dados da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai)
indicando que, desde 2008, já existem iniciativas sobre mercado de carbono em
territórios indígenas. Nesse período, segundo a pesquisadora, o Ministério
Público realizou 54 procedimentos administrativos sobre o tema.
"Desses procedimentos
realizados pelo MP, 51 ficam na Amazônia Legal. A prevalência dos direitos
investigados, no que diz respeito aos direitos humanos, são o direito à
consulta, a autodeterminação dos povos, a participação, a informação, a questão
da repartição dos benefícios e a transparência", revelou.
No encerramento, o ministro Cueva ressaltou que o
Brasil está atrasado no debate mundial sobre o mercado de carbono, mas há um
enorme potencial a ser explorado, caso haja um adequado desenho institucional
da matéria. "Espero que esse tipo de debate realizado hoje contribua para
a aprovação, ainda neste ano, de um marco regulatório que nos dê alento nessa
luta contra a mudança climática", concluiu o ministro.
Fonte:
Notícias
STJ