Primeiramente, impende-se relembrar o
conceito do instituto jurídico denominado trust, que é um instituto jurídico
oriundo do direito estrangeiro — normalmente de países anglo-saxões — sem
paralelo nos países do direito civil, como é o caso do Brasil, gerando na sua
instituição tanto efeitos patrimoniais quanto obrigacionais.
O trust, então, é um contrato que cria
uma relação jurídica por meio da qual uma pessoa instituidora (settlor) entrega
bens, valores e ativos de forma geral para uma outra pessoa, essa por sua vez
chamada de trustee, a quem o settlor confia a administração desses bens em
benefício de um terceiro, o beneficiário. Pode haver também um protetor
(protector) que a depender de previsão contratual, pode agir como um fiscal das
atividades de gerência do trustee.
Tendo relembrado a figura do trust,
passamos agora às questões tributárias, e essas surgem logo na gênese de um
trust, pois, se um instituidor possui residência ou domicílio fiscal no Brasil
e envia esse patrimônio para compor um trust no exterior, dá ensejo à dúvida
sobre a incidência ou não do ITCMD (Imposto de Transmissão Causa Mortis e
Doação).
Se pensarmos que o patrimônio trocará
de titularidade a título gratuito, temos então uma doação, hipótese de
incidência do ITCMD na parte que preconiza que uma doação de quaisquer bens ou
direitos constitui fato gerador de tal tributo.
Essa transferência de ativos para a
formação do trust é complexa e ainda não foi pacificada, inclusive não foi
mencionada na Solução de Consulta nº 41/2020. Contudo, entendemos que se o
contrato de trust for revogável (se o instituidor mantém o direito de desfazer
esse trust e reaver para si todos os bens transferidos), não haverá de fato a
transferência definitiva do patrimônio, não incidindo então o ITCMD. Por outro
lado, no caso da instituição de um contrato de trust com uma cláusula de
irrevogabilidade, estaremos diante de uma transferência gratuita e definitiva,
devendo incidir o ITCMD.
Como sinalizado no parágrafo anterior,
o contrato de trust possui uma flexibilidade bem abrangente, podendo variar
muito de um contrato para outro. E, a depender da sua variação, haverá o
surgimento de características especificas que serão essenciais na determinação
de qual será seu regime de tributação.
Como no Brasil não há previsão legal
que regulamente a tributação do trust, o único documento jurídico que possuímos
como base é a citada Solução de Consulta nº 41, da Receita Federal, por meio da
qual respondeu o questionamento de uma contribuinte. Foi relatado pela Solução
de Consulta o caso de uma viúva residente fiscal no Brasil (consulente) que, na
qualidade de beneficiária, passou a receber valores de trust que fora firmado
nas Bahamas pelo seu falecido marido (na qualidade de settlor).
Assim, o que se extrai do narrado é que
o trust localizado nas Bahamas (por força das regras contidas no trust deed)
remeteu valores para a beneficiária consulente, residente fiscal no Brasil. A
Receita respondeu no sentido de haver a incidência do imposto de renda segundo
a tabela progressiva sobre os valores recebido do trust.
A referida solução de consulta deixou
mais dúvidas do que certezas no cenário tributário nacional, pois, não obstante
da vagueza das informações fáticas prestadas pela contribuinte, a resposta da
Receita conseguiu ser ainda mais vaga. Ora, era essencial para responder à
contribuinte com assertividade, saber antes a natureza do que estava sendo
transmitido: se o patrimônio ou a renda decorrente da administração do
patrimônio pelo o trustee para a beneficiária.
Esta, digamos, descuidada análise pela
Receita, quanto às diversas situações de recebimentos de valores por
beneficiário brasileiro de trust gerou insegurança jurídica, ao menos no âmbito
da tributação sobre a renda, já que a referida Solução de Consulta Cosit é
dotada de efeito vinculante, obrigando outros sujeitos passivos (além da
consulente) que eventualmente se enquadrem na hipótese por ela tratada.
Isso significa dizer que após a publicação
da Solução de Consulta Cosit nº 41/2020, qualquer pessoa física que receba
valores oriundos de trust deverá recolher o IRPF independente das
peculiaridades do seu contrato.
Porém, como dissemos alhures, para o
caso em que o objeto da transferência seja patrimônio, entendemos ser uma
sucessão patrimonial, e então deveria haver a incidência de ITCMD — e não de
Imposto de Renda — o que corresponderia, no estado de São Paulo, a uma alíquota
de 4%, gerando economia de 23,5% em valores recebidos acima de R$ 4.654,69.
Ainda, na hipótese de o objeto da
transferência consistir em renda, também entendemos que não deveria haver a
incidência de imposto de renda, pois, uma interpretação detida do artigo 43 do
CTN, aos olhos da doutrina dominante, faz-nos crer necessário o preenchimento
de alguns elementos para a ocorrência do fato gerador do imposto de renda, a
saber: que o acréscimo patrimonial seja decorrente do produto do capital, do
produto do trabalho, ou da combinação de ambos.
No caso do recebimento dos valores pelo
beneficiário da trust, é notório que, de fato, trata-se de acréscimo
patrimonial, porém esse acréscimo patrimonial é não oneroso, ou seja, ele não
decorre do produto de aplicações de capital do beneficiário, nem decorre do
trabalho do beneficiário, muito menos da combinação de ambos. Esse rendimento
não possui relação jurídica nenhuma com o beneficiário, tratando-se, na
verdade, de renda da trust, e essa renda é doada ao beneficiário a título
gratuito, devendo então incidir ITCMD e não IR.
Desta forma, concluímos que qualquer
que for o caso prático de recebimento de valores de um trust, a solução de
consulta errou ao determinar o recolhimento de Imposto de Renda sobre os
valores, uma vez que deveriam ser tributados pelo ITCMD.
Rafael Maldonado Canesso é semi sênior da Divisão do
Contencioso da Braga & Garbelotti - Consultores Jurídicos e Advogados.
Fonte: ConJur