Em coluna anterior, publicada
neste canal em janeiro de 2016, destaquei que uma das normas do então Novo
Código de Processo Civil que poderia ter grande aplicação para as ações de
família seria o seu art. 356, que trata do julgamento parcial de mérito.
A sua incidência, como defendido,
dar-se-ia sobretudo em ações de divórcio e de dissolução de união estável,
podendo o julgador decretar o fim do vínculo familiar havido entre as partes e
seguir na demanda com o debate e a análise de outros temas, como alimentos,
guarda de filhos, uso do nome, partilha de bens e pedido de reparação de danos,
inclusive morais.
Conforme está previsto nesse
comando instrumental, o juiz decidirá parcialmente o mérito quando um ou mais
dos pedidos formulados ou parcela deles: a) mostrar-se incontroverso; e b)
estiver em condições de imediato julgamento, por não haver a necessidade de
produção de provas ou por ter ocorrido à revelia. Ademais, o seu § 1º prevê que
a decisão que julgar parcialmente o mérito poderá reconhecer a existência de
obrigação líquida - certa quanto à existência e determinada quanto ao valor -,
ou mesmo ilíquida - que não preenche tais requisitos; o que pode ser aplicado a
dívidas alimentares, por exemplo.
Além disso, prescreve o comando
que, eventualmente, a parte poderá liquidar ou executar, desde logo, a
obrigação reconhecida na decisão que julgar parcialmente o mérito,
independentemente de caução, ainda que haja recurso contra essa interposto; o
que igualmente pode incidir a respeito dos alimentos (art. 356, § 2.º, do
CPC/15). Na hipótese dessa execução, se houver trânsito em julgado da decisão,
a execução será definitiva (art. 356, § 3.º, do CPC/15). Em complemento, a
liquidação e o cumprimento da decisão que julgar parcialmente o mérito poderão
ser processados em autos suplementares, a requerimento da parte ou a critério
do juiz (art. 356, § 4.º, do CPC/15).
Por fim, está estabelecido na
norma processual que a decisão proferida com base neste artigo é impugnável por
agravo de instrumento (art. 356, § 5.º, do CPC/15); posição que há tempos era
defendida por parte da doutrina, inclusive para as ações de família (TARTUCE,
Fernanda. Processo civil aplicado ao direito de família. São Paulo: GEN/Método,
2012. p. 253).
Como também sustentei naquele meu
texto anterior, ainda no âmbito doutrinário, a solução retirada do art. 356 do
CPC/2015 para as ações de família, pelo menos parcialmente, era retirada do
Enunciado n. 602, aprovado na VII Jornada de Direito Civil, no ano de 2015, e
com a seguinte redação: "transitada em julgado a decisão concessiva do
divórcio, a expedição de mandado de averbação independe do julgamento da ação
originária em que persista a discussão dos aspectos decorrentes da dissolução
do casamento" (enunciado 602). No mesmo sentido, o enunciado 18 do IBDFAM,
aprovado no seu X Congresso Brasileiro de Direito de Família e das Sucessões,
em outubro do mesmo ano, prescreve que, "nas ações de divórcio e de
dissolução da união estável, a regra deve ser o julgamento parcial do mérito
(art. 356 do novo CPC), para que seja decretado o fim da conjugalidade,
seguindo a demanda com a discussão de outros temas".
Conforme também pontuava, a norma
processual em estudo dialoga perfeitamente com a EC 66/10, que suprimiu os
prazos para o divórcio e a separação de direito - pelo menos na visão que sigo
-, alterando o art. 226, § 6.º, do Texto Maior e facilitando a dissolução do
vínculo conjugal. Esse diálogo é perfeitamente percebido pelo fato de o
Estatuto Processual afastar qualquer burocracia ou entrave maior para o fim do
casamento ou da união estável, deixando as questões pendentes para a solução
posterior das partes. Sobre o divórcio, concretiza-se o teor do art. 1.581 do
Código Civil, segundo o qual o divórcio pode ser concedido sem que haja prévia
partilha de bens.
Pois bem, passados seis anos de
vigência do Código de Processo Civil, é preciso verificar se, de fato, a minha
previsão de incidência da norma se efetivou, ou não, no campo prático das ações
de família.
Realizando pesquisa específica
relativa ao art. 356 do CPC e a palavra "divórcio" em base de dados
da Editora Lex, encontrei 77 acórdãos que aplicam ou trazem o debate de
incidência do comando para as ações dessa natureza, dos Tribunais de São Paulo,
Minas Gerais, Rio Grande do Sul, Mato Grosso do Sul, Distrito Federal, Ceará,
Pernambuco, Paraná, Sergipe, Santa Catarina, Goiás e Mato Grosso. A grande
maioria dos arestos que encontrei é da primeira Corte citada, merecendo
destaque o seguinte, que segue exatamente exemplos por mim destacados a
respeito de temas que podem ser debatidos, após a decretação do fim do
casamento:
"DIVÓRCIO. DECISÃO QUE
INDEFERIU A HOMOLOGAÇÃO DO DIVÓRCIO CONSENSUAL, ANTE O PROSSEGUIMENTO DA AÇÃO
APENAS QUANTO AOS ALIMENTOS DEVIDOS AOS FILHOS. Insurgência. Acolhimento.
Partes que acordaram no que diz respeito ao divórcio, partilha de bens, guarda
e regime de visitas dos filhos. Caso de sentença parcial de mérito, para a
decretação e homologação do divórcio consensual. Exegese do art. 356 do CPC.
Precedentes desta Corte. Agravo Provido" (TJ/SP, agravo de instrumento
2230989-39.2021.8.26.0000, acórdão 15.328.528, Araraquara, 5ª câmara de Direito
Privado, Rel. Des. A. C. Mathias Coltro, julgado em 19/1/22, DJE/SP 24/1/22, p.
7114).
Realizando a busca pelo art. 356
do CPC/15 e o termo "separação judicial" no mesmo repertório, apenas
três arestos surgiram, dos Tribunais estaduais de Goiás, Ceará e Rio Grande do
Sul. Isso demonstra que - a despeito do debate sobre a manutenção ou não no
nosso sistema jurídico desde a EC 66, o que pende de julgamento no STF - as
ações de separação são hoje raras na prática. Dos três acórdãos que encontrei,
colaciono o seguinte, com interessante análise processual sobre a sua conversão
em divórcio: "de acordo com o art. 327 e §§ 1º e 2º do CPC/15, é admitida
a cumulação, em um único processo contra o mesmo réu, de vários pedidos, desde
que compatíveis entre si, seja competente para apreciá-los o mesmo juízo e seja
empregado o mesmo tipo de procedimento. Situação em que o autor ingressou com
ação de conversão de separação judicial em divórcio, requerendo,
cumulativamente, a revisão de alimentos e regulamentação de visita, optando
pelo procedimento comum. [...]. O provimento deste recurso limita-se à
desconstituição da sentença no que diz com a extinção do feito relativamente às
pretensões cumuladas (item 'a' do dispositivo sentencial). Resta, porém,
subsistente o Decreto de divórcio (item 'b' do dispositivo sentencial). Tal
solução é agora autorizada pelo art. 356, I, do CPC, na medida em que não há
controvérsia quanto ao pedido de divórcio" (TJ/RS, apelação cível
0005725-67.2017.8.21.7000, Canoas, 8ª câmara Cível, rel. des. Luiz Felipe Brasil
Santos, julgado em 23/3/17, DJERS 30/3/17).
Com a pesquisa pelo art. 356 do
CPC e a expressão "união estável", foram encontrados 35 acórdãos, dos
Tribunais Estaduais de Mato Grosso do Sul, São Paulo, Paraná, Minas Gerais, Rio
Grande do Sul, Santa Catarina e Ceará. Da última Corte Estadual, destaco
decisum com conclusão prática interessante, no sentido de que a norma
processual em estudo pode ser aplicada não só para a dissolução da união
estável, mas para o seu reconhecimento, quando for inconteste entre as partes:
"é cediço, que nos processos de família a conciliação é de fundamental
importância, tanto para as partes, como para o judiciário, interessados,
familiares e a própria sociedade, uma vez que oportuniza aos envolvidos na
relação processual a construção de uma decisão resolutiva dos seus próprios
conflitos, além de imprimir celeridade aos feitos no âmbito de família. Também
observa-se, que no caso concreto, havia a possibilidade de julgamento
antecipado parcial do mérito (art. 356, do CPC), com a solução prévia da
matéria incontroversa, como por exemplo, o reconhecimento da união estável,
prosseguindo o processo em relação às demais, o que também constitui
instrumento hábil para oferecer efetividade à prestação jurisdicional,
minimizando os pontos de atrito entre as partes" (TJ/CE, apelação
0838528-40.2014.8.06.0001, 2ª câmara de Direito Privado, rel. des. Maria de
Fátima de Melo Loureiro, DJCE 24/6/20, p. 228). Justamente pela não aplicação
da última norma, entre outros temas, a sentença de primeiro grau acabou sendo
anulada pelo Tribunal.
Sendo assim, pela pesquisa
realizada, parece-me que o que previ, no ano de 2016, a respeito da efetivação
prática do art. 356 do CPC/2015 para as ações de família acabou se
concretizando.
Por fim, pela sua relevância, há
que se mencionar importante julgado da 4ª turma do STJ, de 15/322, relatado
pelo ministro Marco Buzzi e publicado no seu informativo de jurisprudência 729.
O número do recurso especial não foi divulgado, por questão de segredo de
justiça. Conforme a tese publicada, "sob a égide do CPC/73, inexiste
incompatibilidade lógica entre o acordo efetuado quanto à pretensão principal
de separação conjugal e o prosseguimento do feito quanto às pretensões
conexas".
Penso que, em certa medida, a
conclusão do aresto antecipa, sob a vigência do estatuto processual anterior,
conclusões que podem ser retiradas do art. 356 do CPC/15. Mais do que isso,
traz orientações importantes a respeito da última norma instrumental.
No caso concreto, debateu-se se
houve a renúncia tácita a direito de ação ou a perda superveniente do interesse
de agir, a obstar o prosseguimento do feito quanto a pedido de indenização por
danos morais em ação de separação judicial, notadamente diante da composição
das partes quando de audiência, a respeito da sua separação. A resposta dada
pelos julgadores foi negativa, uma vez que a renúncia e a transação merecem
interpretação restritiva, pelo que se retira dos arts. 114 e 843 do CC/02.
Ainda como está na publicação do
acórdão naquele informativo do STJ, "no particular, assinala-se que a
demanda subjacente ao recurso especial, assim como a autocomposição celebrada,
deu-se em momento anterior à EC 66/10, a qual introduziu o divórcio direto e,
de forma elogiável, mitigou a necessidade de interferência estatal na esfera
familiar, possibilitando a concretização, pelos cônjuges, de sua autonomia
privada". E, mais, "conforme dispunha o vigente art. 1.123 do CPC/73,
é lícito às partes, a qualquer tempo, no curso da separação judicial,
requererem a conversão em separação consensual [...], sem que isso implique
renúncia ou perda de interesse de agir em relação a pretensões conexas,
decorrentes do descumprimento de obrigações inerentes à sociedade conjugal,
mormente nas hipóteses em que igualmente consubstanciam grave lesão a direito
de personalidade. No caso, nada obstante tenha a parte autora, ao entabular
acordo, transmudado a natureza da demanda, no que se refere à separação - de
litigiosa para consensual -, com o acertamento dos demais pedidos decorrentes
(guarda, visitas), em nenhum momento declarou expressamente desistência ou
renúncia ao direito em que fundamentado o pedido condenatório".
Entendo que deduções do julgado
dialogam perfeitamente com a possibilidade de aplicação do julgamento parcial
de mérito nas ações de família. Sendo assim, eventuais transações realizadas
entre as partes não podem afastar a possibilidade de ingresso de demandas ou a
formulação de pedidos posteriores na própria ação que visa à dissolução do
vínculo do casamento e da união estável.
Essa última conclusão está
totalmente adequada à instrumentalidade e à eficiência do processo,
incentivando, ainda, a composição entre as partes sobre questões pacíficas da
demanda, conceitos que ganharam muita força desde a elaboração do meu último texto
e nos seis anos de vigência do Código de Processual Civil.
Fonte: Portal Migalhas