No
último dia 22 de fevereiro, a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, no REsp
1.823.912, relator ministro Villas Bôas Cueva, proferiu decisão importante
tendo como tema os efeitos da alienação fiduciária de imóvel como garantia de
obrigação prevista em cédula de crédito bancário.
No
caso examinado, tendo em conta que os imóveis alienados fiduciariamente
avaliados em R$ 12,264 milhões estavam expressivamente defasados frente à
dívida de quase R$ 27 milhões, e que os devedores eram titulares de outros
imóveis suficientes para pagamento parcial da dívida, o credor ajuizou ação de
execução lastreada no título executivo extrajudicial consubstanciado na cédula
de crédito bancário, na qual obteve, após a improcedência dos embargos à
execução, a adjudicação de outros bens imóveis avaliados em R$ 16,6 milhões.
Após a adjudicação de bens imóveis que não estavam alienados fiduciariamente,
ainda restava saldo devedor remanescente de R$ 17,27 milhões, hipótese em que o
credor instaurou a execução extrajudicial do crédito garantido por a alienação
fiduciária sobre bens imóveis, e terminou por, após a frustração dos dois
leiloes extrajudiciais, adquirir a propriedade de tais bens imóveis, na forma
da Lei 9.514/1997.
Por
ocasião do julgamento, discutiu-se se a execução extrajudicial da alienação
fiduciária em garantia sobre bem imóvel tem o condão de extinguir a ação de
execução, desfazendo a adjudicação de bens imóveis que não eram objeto da
alienação fiduciária em garantia.
Com
efeito, a alienação fiduciária é um negócio jurídico, pelo qual o fiduciante,
com a finalidade de garantir uma obrigação, transmite a propriedade de uma
coisa ao fiduciário, sob a condição resolutiva de que, adimplida a obrigação,
deve se operar a devolução do bem em favor do fiduciante. A constituição de
alienação fiduciária em garantia sobre bem imóvel pode se operar em toda e
qualquer obrigação pecuniária, não estando vinculada apenas ao financiamento do
próprio bem imóvel, nos termos da Lei 9.14/1997, em seu artigo 2°.
Desde
a edição do Decreto-lei 911/1969, a teor dos seus artigos 2° e 5°, é assegurada
ao credor fiduciário que, se deparando com o inadimplemento do devedor
fiduciante, a opção de promover a execução judicial do crédito lastreado no
contrato de crédito ou a execução extrajudicial do crédito objeto da garantia
fiduciária sobre bem móvel.
Embora
a Lei 9.514/1997, que versa, dentre outros assuntos, sobre a alienação
fiduciária de bem imóvel, não contenha regras semelhantes, a mesma conclusão se
impõe, eis que o contrato de crédito com garantia real é tido como título
executivo extrajudicial, podendo instruir a ação de execução, a teor do artigo
784, inciso V, do CPC, e que a mencionada Lei 9.514/1997, em seus artigos 26 e
27, prevê mecanismo de execução extrajudicial do crédito garantido por
alienação fiduciária de bem imóvel.
Vale
dizer, o credor fiduciário não está obrigado a promover a execução
extrajudicial do seu crédito na forma prevista na Lei 9.514/1997, em seus
artigos 26 e 27, de sorte que a constituição da alienação fiduciária em
garantia não tem o condão de alterar os termos da relação jurídica negocial
prevista em contrato de crédito. Ao credor é lícito o exercício regular do
direito de promover a ação de execução lastreada no contrato de crédito com a
observância das regras do CPC ou de promover a execução extrajudicial do
crédito garantido por alienação fiduciária sobre bem imóvel com a incidência
das regras previstas na Lei 9.514/1997 (REsp 1.965.973, relator ministro Villas
Bôas Cueva).
Caso
o credor opte pela execução extrajudicial do crédito garantido por alienação
fiduciária do imóvel, a Lei 9.514/1997, em seus artigos 26 e 27, estabelece que
o imóvel pode ser levado a até dois leilões extrajudiciais, sendo, no primeiro,
o lance mínimo o valor da avaliação do imóvel, e, no segundo, o lance mínimo o
valor da dívida. Caso o segundo leilão extrajudicial do imóvel seja frustado, a
dívida considera-se extinta e o devedor é exonerado das suas obrigações,
ficando o imóvel com o credor fiduciário (REsp 1.861.293/SP, relator ministro
Moura Ribeiro).
Por
critérios de conveniência — tais como deterioração/desvalorização da garantia,
insuficiência da garantia frente à dívida e a existência de outros bens
suficientes para pagar a dívida —, é lícito ao credor optar pelo ajuizamento da
ação de execução, sem que isso seja reputado como renúncia à garantia real, na
esteira do clássico entendimento de que a renúncia há de ser expressa e
inequívoca (REsp 118.042, relator ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira).
Na
ação de execução lastreada em contrato de crédito com garantia real, não
incidem as regras especiais previstas na alienação fiduciária em garantia de
que trata a Lei 9.514/1997. Em outros termos, a situação atípica caracterizada
pela exoneração de responsabilidade do devedor fiduciante independentemente de
amortização integral da dívida somente resulta da execução extrajudicial do
crédito garantido por alienação fiduciária sobre bem imóvel, a teor dos §§2º,
5º e 6º do artigo 27 da Lei 9.514/1997 (MelhimNamemChalub. Alienação
fiduciária. Rio de Janeiro: Forense, 2021, pág. 354).
Portanto,
na esteira do decidido no REsp 1.823.912, conclui-se que é lícito ao credor
fiduciário ajuizar ação de execução fundada em contrato de crédito com garantia
real, com vistas a pretensão de obter a satisfação de toda a dívida. Obtida a
satisfação parcial do crédito sobre outros bens, não há óbice legal a que o
credor, em seguida, venha a se valer da execução extrajudicial do crédito
garantido por alienação fiduciária sobre bens imóveis, com o propósito de
levá-los ao (s) leilão (ões) extrajudicial (is), operando-se a quitação na
forma dos artigos 26 e 27 da Lei 9.514/1997.
Gleydson K. L. Oliveira é mestre e doutor em Direito
pela PUC-SP, professor da graduação e mestrado da UFRN e advogado.
Fonte: ConJur