A Câmara dos Deputados vota nesta terça-feira (18), a partir
das 13h55 (de Brasília), a medida provisória (MP) 959/2020, que adia a vigência
da LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados) para maio de 2021. A maioria dos
especialistas ouvidos por Tilt é contra o adiamento, assim como o deputado
federal Damião Feliciano (PDT-PB), relator da MP.
A LGPD entraria em vigência na última sexta-feira (14), dois
anos depois da aprovação. Em seu relatório, Feliciano escreve que a Comissão
Mista da MP não poderia "ter outro entendimento senão o de manter a
entrada em vigência originalmente prevista" e que a comissão é favorável a
retirar o art. 4º da MP, que adia a LGPD.
Se rejeitado o art. 4º, a LGPD passará a valer de imediato,
mas sem punições a eventuais infratores — adiadas para agosto de 2021 pela Lei
nº 14.010 — e sem uma ANPD (Autoridade Nacional de Proteção de Dados), órgão
que será o "xerife" da LGPD.
O Lapin (Laboratório de Políticas Públicas e Internet)
publicou uma nota técnica contra a MP 959, dizendo que o adiamento da LGPD traz
riscos para a economia digital e para os direitos digitais dos brasileiros. O
documento também discorda da justificativa da Presidência para o atraso — no
caso, que uma parcela da sociedade não estaria apta a segui-la por causa da
crise provocada pela pandemia do coronavírus.
A organização afirma que o adiamento retardará a recuperação
econômica de empresas na pós-pandemia, enquanto a entrada imediata em vigor
protegerá instituições públicas e permitirá maior eficiência no tratamento de
dados pessoais no combate à covid-19.
Por outro lado, a Abes (Associação Brasileira de Empresas de
Software) vê insegurança jurídica na vigência da LGPD sem a existência da ANPD.
Thomaz Côrte Real, consultor jurídico da Abes, afirma que "uma lei geral
sem autoridade não deveria existir".
"Existem pontos obscuros que necessitam de uma
regulamentação. Quem vai ter esse papel é a ANPD, cuja função é importantíssima
para que a lei possa entrar em vigência e todos seus artigos serem
contemplados", argumenta.
Danilo Doneda, advogado e professor do IDP (Instituto
Brasiliense de Direito Público), também destaca a importância da ANDP para a
aplicação da LGPD, mas discorda que a vigência deva ser adiada.
"É positiva a entrada em imediato. A gente entrou num
ciclo vicioso. O governo federal está obrigado desde 2018 a criar a autoridade
e não criou", afirma Doneda. "Se simplesmente atrasarmos mais uma
vez, o governo não vai criar a autoridade e daqui alguns meses a gente vai ter
uma nova MP adiando. A entrada em vigor é a única maneira de forçar o governo
federal."
A hesitação na criação da ANPD também foi questionada por
Renato Opice Blum, coordenador do curso de direito digital e proteção de dados
da Faap (Fundação Armando Álvares Penteado) e da Ebradi (Escola Brasileira de
Direito).
"A ANPD poderia ter sido constituída desde 2018.
Poderia ter feito interpretações sobre geolocalização, pandemia. Bastava um ato
do presidente e a confirmação do Senado", declara.
Mesmo sem vigência, LGPD gera influência
Na avaliação de Doneda, a lei de proteção de dados já causou
efeitos com ou sem adiamento. Como exemplo, destacou que o STF (Supremo
Tribunal Federal) reconheceu o direito constitucional de proteção de dados
—como no caso do repasse de informações cadastrais ao IBGE (Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística). O TSE (Tribunal Superior Eleitoral)
também decidiu, em agosto desse ano, que os dados de candidatos que não se
elegerem nas eleições deste ano terão seus dados excluídos.
O professor do IDP também destaca que a lei é muito falada
por empresas, que têm mudado práticas e mencionam a proteção de dados em
decisões. Para Opice Blum, quem se adaptou à LGPD está em boa posição de
mercado.
"As empresas que saíram na frente e que dizem que estão
em conformidade com a LGPD já têm uma vantagem competitiva. Com ou sem sanções,
é uma lei que vai ter cada vez mais importância", diz Opice Blum.
Ao menos entre os associados da Abes, relata Côrte Real, a
lei já "pegou". O consultor jurídico avalia que a cultura de proteção
de dados está se alastrando pelo país, embora ainda "falte muito". Um
índice de conformidade à LGPD elaborado pela Abes com a consultoria EY identificou
que, entre as empresas brasileiras que fizeram a avaliação, cerca de 40%
atendem os requisitos mínimos da nova legislação.
Para as companhias atrasadas, Doneda alerta que o processo
de adaptação à lei não é rápido; deve levar pelo menos seis meses para médias e
grandes empresas.
"Se adaptar completamente é impossível, porque tem
vários pontos que dependem de especificação, mas tem muita coisa na lei que é
óbvia, é fácil de saber que tem que fazer e que as empresas têm que fazer.
Fazer um inventário, estabelecer uma base legal... O feijão com arroz pode ser
feito desde já. As que fizerem o feijão com arroz, em um primeiro momento vão
estar em uma situação bastante tranquila", explica.
Fonte: UOL