Pessoas entre 30 e 50 anos estão buscando mais o serviço
em escritórios e cartórios, onde a demanda quadruplicou em alguns casos
A advogada Alícia Monteiro, de 43 anos, sacramentou seu
testamento público na última semana. Se ela já pensava em cuidar de sua
sucessão patrimonial, o coronavírus adiantou o processo. A procura por esse
serviço nos cartórios espalhados pelo Brasil não apenas aumentou durante a
pandemia, como também passou a atrair mais pessoas de meia-idade.
O 15º Ofício de Notas do Rio de Janeiro, localizado na Barra
da Tijuca, por exemplo, costumava realizar ente oito a dez testamentos por mês.
Durante a quarentena, essa média saltou para 40. A busca por tal atendimento
deixou de ser quase exclusiva a idosos e já abarca mais cidadãos na faixa
etária de 30 a 50 anos.
"Com o advento da pandemia, as pessoas passaram a
encarar a morte como uma coisa real. Pessoas com 38, 40 e 50 anos têm nos
procurado. E o volume aumentou muito. Essa mudança de comportamento fez com que
as pessoas realmente pensassem na sua finitude, em quem ela quer proteger e
para quem não quer deixar seus bens", afirmou a tabeliã Fernanda Leitão,
que diz nunca ter visto situação similar em mais de duas décadas na profissão.
Foi o caso de Monteiro. A advogada tinha planos de realizar
em breve seu testamento, mas as notícias sobre a doença que já vitimou mais de
100 mil brasileiros e infectou mais de 3 milhões de pessoas no país, entre elas
seu irmão - já recuperado -, a levaram a concluir o procedimento de uma vez. A
intenção, segundo ela, é evitar futuros desgastes de tempo ou financeiro, bem
como disputas judiciais após sua morte.
"Sempre pensei em fazer, mas com esse assunto em
evidência e a rapidez com que a Covid-19 atinge as pessoas, isso acelerou minha
decisão de documentar minha última vontade", disse Monteiro. "Como
advogada militante na área cível, já presenciei muitas brigas e disputas
judiciais em inventários. Minha intenção em fazer isso foi evitar uma possível
briga judicial depois da minha morte. As disputas acontecem nas mais diversas
famílias e camadas sociais, não só quando tem patrimônio grande. Às vezes, as
pessoas brigam por móveis, jogos de panela, coisas mais simples".
Ela conta que também quis proteger a herança de seus três filhos
por meio de uma cláusula de incomunicabilidade dos bens, que exclui as doações
de uma futura partilha com um cônjuge. Acostumada a lidar com litígios entre
parentes, a advogada acredita que as novas composições do núcleo familiar
tendem a fazer com que mais pessoas busquem realizar o testamento mais cedo.
Inclusive seu escritório tem recebido mais consultas sobre o assunto. No ano
passado, foram dois casos; agora ela já assessorou oito clientes e amigos -
número superior a divórcios.
A advogada Joanna Rezende, sócia de Planejamento Sucessório
do escritório Velloza Advogados, é outra a observar a crescente demanda por
testamentos entre um público mais jovem.
"Há pouco tempo fizemos o de um empresário de menos de
30 anos e o de dois casais com menos de 50 anos. Essa demanda aumentou de
maneira vultuosa", afirmou Rezende. "Também fizemos de um senhor de
quase 100 anos extremamente lúcido, que nem cogitava ter testamento".
No entanto, ela aconselha que pessoas com patrimônio ainda
embrionário e suscetível a variações optem por testamentos privados, redigidos
pelo próprio testador, num primeiro momento. Também orienta ter cautela e uma
análise apurada antes de concluir o documento. Alguns casos, por exemplo, já
foram considerados inexequíveis pela Justiça.
Como Fazer Um Testamento
Para lavrar um testamento em cartório, o cidadão precisa
estar lúcido, portar carteira de identidade e CPF e apresentar duas
testemunhas, que não devem ser parentes. O documento pode ser revogado ou
modificado a qualquer momento. Com a publicação do provimento 100 do Conselho
Nacional de Justiça (CNJ), em maio, o procedimento pode ser feito de forma
eletrônica, via videochamadas - a exemplo do que acontece com casamentos.
"Pessoas mais velhas têm mais dificuldade com
videoconferência. Já fiz na porta da casa de uma senhora de 90 anos, que estava
morrendo de medo, já fiz em carro, como um drive-thru", conta Leitão.
Também não há regra sobre patrimônio em testamentos. Além
disso, eles podem versar sobre outros assuntos que não sejam a divisão de bens,
como a nomeação de um curador para administrar finanças em caso de incapacidade
ou quando se trata de menores de idade.
De acordo com a legislação, os herdeiros necessários
(filhos, pais e cônjuge) têm direito a metade da herança de uma pessoa. O
testador pode dispor dos 50% restantes da forma que quiser. Caso a pessoa não
tenha seja casada nem tenha filhos ou pais vivos, a herança cabe a primos e
tios. Em última instância, os bens são destinados ao município. Para evitar que
isso ocorra, algumas pessoas têm doado seus bens a instituições filantrópicas e
ONGs, como o Médicos sem Fronteiras.
Em situações de perda ou extraviação do documento, o cidadão
tem direito a solicitar outra via do certificado no cartório quantas vezes for
necessário.
Fonte: Época