Não existe padrão para um testamento. Cada caso tem sua
particularidade e o testamento eficaz é o testamento que é adaptado à realidade
do testador, dos herdeiros e dos beneficiários
O planejamento sucessório, um assunto muitas vezes evitado
pelas famílias, tem sido repensado após esta pandemia da Covid-19, pois há uma
percepção geral de que a vida é fugaz e que eventos imprevisíveis e impossíveis
podem acontecer. Esse artigo destaca o testamento como instrumento possível de
ser utilizado.
Outros fatores que têm levado as famílias a considerar o
início do planejamento sucessório é o projeto de lei que tramita na Assembleia
Legislativa do Estado de São Paulo (PL
250/20), que propõe alterações na tributação das operações sujeitas ao
Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD), com a progressividade
de alíquotas (chegando até 8%).
Há diversos instrumentos que podem ser utilizados para a
organização e formatação de um planejamento sucessório tais como o testamento,
alteração do regime de casamento, pacto antinupcial, bens no exterior, doação
com reserva de usufruto de bens imóveis, de quotas sociais, de ações, de cotas
de fundos de investimentos, holdings etc.
Especificamente sobre o testamento, este é um instrumento
importante na organização da sucessão por ser, na maioria dos casos, o primeiro
passo para o planejamento sucessório já que não transmite o patrimônio, mas tem
o objetivo de regulamentar a sucessão, ou seja, as regras da partilha dos bens
entre os herdeiros e beneficiários.
O testamento pode ser público ou particular tendo, portanto,
a característica de ser as disposições de última vontade do testador, no qual é
possível deixar registrado as motivações e as regras da destinação do
patrimônio disponível, segundo a vontade do testador que angariou o patrimônio
ao longo de sua vida.
Testamento é indicado em quais casos?
O testamento é indicado para dispor sobre 50% (cinquenta por
cento) do patrimônio do testador (da parte disponível), pois os outros 50%
(cinquenta por cento) fazem parte da legítima e que, obrigatoriamente, são transmitidos
para os herdeiros necessários (os descendentes, os ascendentes e o cônjuge).
Explicando melhor a situação do cônjuge, pois sempre é ponto
de dúvidas e questionamentos. Nos casamentos formalizados antes de 1977, a
regra era o regime da comunhão universal de bens e, portanto, o cônjuge não é
herdeiro, mas sim meeiro. Ser meeiro significa que os bens adquiridos antes e
durante o casamento pertencem ao casal, com exceção dos bens doados com
cláusula de incomunicabilidade.
Após 1997, a regra passou a ser o da comunhão parcial
de bens e, por conseguinte, o cônjuge é meeiro (com relação aos bens adquiridos
durante o casamento) e herdeiro se o falecido tiver bens particulares. Já na
separação legal ou obrigatória e bens, no caso de cônjuge maior de 70 anos, a
Súmula 377 do STF reconhece o direito à meação dos bens adquiridos na
constância do casamento, mas não tem direito a herança se o falecido tiver
descendentes e ascendentes. E, quanto à separação convencional total de bens, o
cônjuge é considerado herdeiro necessário.
Portanto, a dúvida recorrente com relação às disposições do
testamento é se é possível excluir o cônjuge da legítima se o casamento for
pelo regime da separação convencional de bens. A resposta é negativa, pois, a
partir de 2003, quando entrou em vigor o novo Código Civil, o cônjuge,
independente do regime de bens do casamento, foi alçado à condição de herdeiro,
concorrendo com os filhos e ascendentes.
Portanto, o regime de separação total de bens no casamento
somente segrega o patrimônio se ocorrer a dissolução do casamento, não se
aplicando para o evento de falecimento do cônjuge.
Para facilitar a compreensão da aplicabilidade do
testamento, alguns exemplos de possíveis disposições testamentarias, se houver
a existência de herdeiros necessários:
Acrescer a participação de herdeiros e de beneficiários: por
exemplo, incluir um terceiro como beneficiário da herança ou distribuir de
forma desigual a participação dos herdeiros na herança para adequar à vontade
do testador com filhos de diversos casamentos, filhos com necessidades e idades
diversas etc;
Divisão dos bens da melhor maneira possível, como por
exemplo, para evitar o condomínio de herdeiros em bens imóveis, pois o
condomínio dificulta a administração e a venda, caso não haja consenso entre os
herdeiros-proprietários;
Nomeação de tutores e curadores para filhos menores e
especiais;
Regras para gerir o patrimônio de filhos especiais;
Gravar os bens transmitidos com cláusulas restritivas
(incomunicabilidade, impenhorabilidade e inalienabilidade);
Dispensa da colação, por exemplo, se um filho recebeu ajuda
dos genitores, o testador pode dispensar a colação, evitando a discussão futura
entre os herdeiros de antecipação de legítima, desde que as doações realizadas
não tenham excedido a parte disponível.
Outro caso em que o testamento é indicado é se o autor da
herança não tiver herdeiros necessários (os descendentes, os ascendentes e o
cônjuge), pois poderá dispor livremente do seu patrimônio, deixando para
amigos, funcionários, parentes distantes, instituições de caridade. E, neste
caso de não haver herdeiros necessários, se não deixar testamento, seus bens
irão para os herdeiros facultativos (parentes colaterais até o 1º grau: irmãos,
sobrinhos, tios e primos). E se não tiver herdeiros facultativos, seus bens
irão para o Município.
Não existe padrão para um testamento. Cada caso tem sua
particularidade e o testamento eficaz é o testamento que é adaptado à realidade
do testador, dos herdeiros e dos beneficiários.
Fonte: Migalhas