Embora não haja previsão legal
específica, a separação de fato ocorrida há mais de um ano também é causa de
dissolução da sociedade conjugal e, por isso, permite a fluência do prazo
prescricional para o pedido de partilha de bens dos ex-cônjuges.
Isso porque as hipóteses do artigo 1.571 do Código Civil de 2002 para o
término da sociedade conjugal não são taxativas, e o fundamento que permeia
essas hipóteses legais – encerramento dos vínculos de confiança e coabitação e
do regime de bens entre as partes – também está presente na separação de fato
antiga, não havendo motivo para que, neste último caso, haja impedimento ao
curso da prescrição.
O entendimento foi fixado de
forma unânime pela Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ao
manter acórdão do Tribunal de Justiça do Tocantins (TJTO) que considerou
prescrito um pedido de partilha de bens entre ex-cônjuges que se separaram de
fato há mais de 30 anos.
A separação de fato é a livre
decisão dos cônjuges de encerrar a sociedade conjugal, porém sem recorrer aos
meios legais. A decisão põe fim aos direitos, deveres e efeitos do casamento,
mas os cônjuges permanecem no estado civil de casados.
Na ação de divórcio que deu
origem ao recurso, a autora afirmou que foi casada com o requerido sob o regime
da comunhão universal de bens e que os dois estavam separados de fato havia
mais de 30 anos, sem nenhuma possibilidade de reconciliação. Segundo a autora
da ação, quando discutida a separação, foram divididos alguns bens comuns,
porém restava uma propriedade a ser partilhada.
Instâncias ordinárias
O juiz de primeiro grau decretou
o divórcio e determinou a partilha do bem restante, ficando para serem apurados
em liquidação de sentença o seu valor no momento da separação de fato e a
atualização, abatendo-se eventual benfeitoria realizada por um dos ex-cônjuges.
A sentença foi desconstituída
pelo TJTO. Segundo o tribunal, com o fim da sociedade conjugal pela separação de
fato, encerrou-se o regime de bens entre as partes, permitindo-se o curso
normal da prescrição, e esta ocorreu há bastante tempo, mesmo considerando o
maior prazo prescricional do Código Civil de 1916, de 20 anos.
No recurso especial dirigido ao
STJ, a ex-cônjuge alegou que não poderia haver fluência do prazo de prescrição
na constância do casamento. Segunda ela, embora o casal estivesse separado de
fato e houvesse ocorrido a partilha de parte dos seus bens, não houve a ruptura
da sociedade conjugal, motivo pelo qual não caberia falar em prescrição.
Mitigação
O relator do recurso, ministro
Moura Ribeiro, reconheceu que, pela leitura dos artigos 197 e 1.571 do Código
Civil de 2002, seria possível entender que a prescrição entre os cônjuges
somente flui com a morte de um deles, a nulidade ou anulação do casamento, a
separação judicial ou o divórcio – ou seja, não há previsão da separação de
fato como causa de término da sociedade conjugal.
"Ocorre que, como é sabido,
o intérprete nem sempre deve se apegar somente à literalidade do texto da lei,
necessitando também, ao realizar o seu juízo de hermenêutica, perquirir a
finalidade da norma, ou seja, a sua razão de ser e o bem jurídico que ela visa
proteger, nos exatos termos do artigo 5º da Lei de Introdução às Normas do
Direito Brasileiro (LINDB)", afirmou o relator.
Com base na doutrina e no
entendimento do TJTO, Moura Ribeiro destacou que as relações de ordem moral que
ligam os cônjuges, como a confiança e o afeto, seriam o motivo do impedimento
da fluência do prazo de prescrição na vigência da sociedade conjugal, cuja
finalidade estaria na preservação da harmonia e da estabilidade da união.
Assim, o ministro entendeu ser
possível a mitigação do rol de causas de dissolução da sociedade conjugal
previsto no artigo 1.571, especialmente em um caso no qual houve a separação de
fato em 1980, isto é, 30 anos antes do ajuizamento da ação de divórcio.
Mesmos efeitos
De acordo com o relator, se tanto
a separação judicial (ato jurídico) como a separação de fato (fato jurídico),
comprovadas por prazo razoável, produzem o efeito de encerrar os deveres de
coabitação e fidelidade recíproca e o regime matrimonial de bens, não há óbice
em considerar passível de término a sociedade de fato e a sociedade conjugal.
"Por conseguinte, não há empecilho à fluência da prescrição nas relações
com tais coloridos jurídicos", afirmou.
"Entendo que a separação de
fato comprovada por período razoável de tempo, ou seja, no mínimo um ano,
produz os mesmos efeitos da separação judicial, sendo, portanto, circunstância
que enseja a dissolução do vínculo matrimonial e não impede o curso do prazo
prescricional nas causas envolvendo direitos e deveres matrimoniais",
concluiu o ministro ao manter o acórdão do TJTO.
Fonte: Superior Tribunal de Justiça (STJ)