A estudante de Porto Alegre Marcella Cesa Bertoluci, de 18 anos, está concorrendo a uma premiação internacional por um projeto que ela criou para incentivar a adoção tardia. Ela é a única brasileira entre os finalistas do concurso promovido pela Junior Achievement, uma ONG global de empreendedorismo jovem.
Conforme Marcella, pessoas de mais de 30 países se
inscreveram na competição. Durante a seleção, a ONG escolheu apenas 10
participantes para a etapa final. Agora, a estudante está concorrendo com
outros nove finalistas em uma votação online, que segue até sábado (15).
Os três mais votados participarão de um evento em Viena, na
Áustria. O primeiro colocado irá ganhar como prêmio a produção de um vídeo
profissional, onde poderá falar sobre o projeto, que será divulgado mundialmente.
"Essa competição está sendo uma maneira muito legal de
dar visibilidade para a adoção tardia, que é o meu projeto. Para ser sincera,
eu não estava esperando ser selecionada. Uma baita surpresa, muita gente do
Brasil se inscreveu. Milhares de pessoas se inscreveram e eu fui aceita. Acho
isso incrível", conta a jovem.
Chamado de Missão Diversão, a iniciativa criada por Marcella
tem como objetivo realizar eventos que promovam o encontro de casais
habilitados à adoção com crianças e jovens que aguardam a oportunidade de terem
uma família.
"O projeto tem esse nome para que o foco não seja na
adoção, e sim, criar um dia diferente para as crianças e casais. Dessa forma,
conseguimos aproximá-los e sensibilizar os casais para a doação tardia",
conta.
A primeira edição do evento de adoção foi realizada em junho
de 2017. Desde lá, já ocorreram quatro edições, onde seis crianças foram
adotadas, e mais uma adoção está em andamento.
Como nasceu o projeto
Aos 16 anos, quando Marcella estava no 2º ano do Ensino
Médio no Colégio Farroupilha, a empresa Smile Flame, voltada para projetos
sociais, foi até a escola e convidou os alunos a desenvolverem iniciativas que
gerassem impacto de forma inovadora e positiva na sociedade. A adolescente se
interessou pela proposta e, ao lembrar do trabalho voluntário que havia
desenvolvido em lares e abrigos, teve a ideia de criar o projeto da adoção
tardia.
“Participei do grupo de voluntariado do colégio, no qual
tive contato com realidades distintas, incluindo crianças destituídas de suas
famílias, e fui sensibilizada pela situação delas. Aí pensei neste projeto
juntamente com outros colegas”, conta Marcella.
Não era obrigatório colocar os projetos em prática, mas a
jovem fez questão. Para isso, ela entrou em contato com o Ministério Público e
com o juiz Marcelo Mairon Rodrigues, que na época atuava na 2ª Vara da Infância
e Juventude de Porto Alegre. Ela descobriu então que o Judiciário também tinha
o interesse em dar visibilidade para o tema.
"A ideia da Marcella veio ao encontro do que o
Judiciário planejava. Foi um período que o próprio Tribunal vinha desenvolvendo
uma campanha no sentido de dar maior visibilidade para essas crianças e
adolescentes, que muitas vezes por já terem mais de 10 anos, as vezes por serem
um grupo numeroso de irmãos, nós tínhamos dificuldade de encontrar pessoas
habilitadas para o perfil dessas crianças e adolescentes", diz o juiz em
um vídeo gravado pelo Colégio Farroupilha.
“Eles acabaram abraçando a ideia. Os eventos só ocorrem por
causa do juizado, que fazem os trâmites legais. Eu cuido da parte de inovação.
Não é qualquer pessoa que pode participar desses eventos, são só para casais
habilitados para adoção, que passaram por um acompanhamento", acrescenta
Marcella.
Como o objetivo do projeto é abordar a adoção tardia, as
crianças e adolescentes que participam das ações têm idades entre 8 e 17 anos.
Todas as ações acontecem no Colégio Farroupilha. O objetivo
é que os eventos sejam dias divertidos para as crianças, que elas possam sair
da rotina e brincar.
"A Marcella foi a protagonista desse projeto, ela
buscou o Ministério Público e o ajuizado e nós cedemos o espaço e organização
desses eventos. O importante é que as crianças soubessem que teriam uma tarde
divertida, para não criar uma expectativa e depois ela não ser atingida. Sempre
se teve esse cuidado em pensar nas brincadeiras, para que a tarde fosse
diferente da tarde que elas passam", conta a diretora pedagógica do
Colégio Farroupilha, Marícia Ferri.
Adoção: ato de amor
O casal Douglas Guimarães e Glademir Bastians sempre teve
vontade de ter um filho. Em julho de 2016, eles entraram com o pedido de
habilitação para adotar junto ao fórum. Em março de 2017, a habilitação foi
concluída e, a partir daquele momento, o casal entrou em uma fila de espera.
A primeira chamada ocorreu alguns meses depois para que o
casal adotasse um menino de 11 anos no município de Santo Cristo.
"A empolgação foi nas alturas, já estávamos sonhando
com o momento, porém na hora em que o menino foi questionado sobre a
possibilidade de conhecer dois pais homens ele recusou. Alguns dias depois,
veio a resposta da comarca que ele não queria ter dois pais gays, que ele
preferia uma família convencional. Para nós foi horrível, o mundo caiu pela dor
da 'perda' gerada na expectativa de ter ele em nossa família", conta
Douglas.
Uma situação parecida ocorreu meses depois com o casal.
Então, eles ficaram sabendo do projeto Missão Divertida.
"Perguntaram se nós queríamos participar e conhecer um
garoto de 8 anos que iria estar lá e sentir como seria para ele e para nós esse
contato. Também nos foi falado que ele teria uma irmã de 7 anos, mas que o juiz
havia autorizado a adoção separado, pois a menina não queria mais ser adotada,
pois haviam sido devolvidos por outra família de uma adoção frustrada",
relata Douglas.
Chegou o dia, e o casal estava com o coração acelerado para
conhecer o menino. Aos poucos se aproximaram da criança, que também se chamava
Douglas.
"Brincamos, corremos e chegou a hora do lanche. Momento
indicado para os casais se aproximarem e conhecerem mais as crianças. Sentamos
em uma mesa e logo Douglas sentou conosco. Em um dado momento, ele perguntou o
que éramos. Irmãos? Tios? Pai e filho? Primos? E respondi: 'Nós somos casados'.
Ele ficou com um olhar querendo dizer 'eu já sabia' e disse 'eu não tenho
problemas com homens assim' e logo perguntou se tínhamos filhos. Com a nossa
resposta, ele já disparou: 'E por que vocês não me adotam?'", lembra o pai
Douglas.
"Naquele segundo, veio a confirmação que faltava em
nosso coração que aquele pequeno seria nosso. A missão seguiu cheia de emoção
até o final", acrescenta.
O casal pediu para adotar Douglas e conseguiu a guarda
definitiva no ano passado. Na época, o menino tinha 9 anos. O casal prometeu
que levaria ele para ver a irmã, para manterem o vínculo. Mas, aos poucos, o
casal conquistou o coração da pequena Thaila, que tinha 8 anos.
"Levaríamos ele para visitar, sairíamos com ela para
passeios, até que na quarta visita ao abrigo, ela jé mandou direto: 'Quando
vocês vêm me buscar para morar na sua casa?'", conta Douglas.
A adoção definitiva de Thaila saiu esse ano. O casal não
podia estar mais feliz por ter conseguido construir a família que sempre
sonhou.
"Participamos, depois, de mais um Missão Diversão, como
ajudantes e não mais pretendentes, e sempre víamos o brilho nos olhos da
Marcella, a paixão por ver os pequenos felizes, e uma mega explosão de amor
quando algum casal entrava com pedido de guarda junto ao fórum",
acrescenta Douglas.
"O juizado chamou os habilitados para a adoção e falou
sobre o projeto. Nós éramos habilitados para crianças mais novas, até cinco
anos. A maioria dos pais eram habilitados para crianças mais novas", conta
Clarice.
"Participamos desde o primeiro evento. Aí, o Tribunal
havia criado aquele Aplicativo Adoção, e fomos fazer um trabalho voluntário lá,
ajudar com os vídeos. Foi quando conhecemos duas meninas, mas tínhamos que
respeitar a fila. No terceiro evento do Missão Diversão, essas meninas foram,
conhecemos mais elas, brincamos. Manifestamos então o pedido para
adotá-las".
O evento ocorreu em março de 2018. Dois meses depois,
Clarice e Fernando estavam com a guarda provisória das irmãs Karoline e Kauana,
que tinham 10 e 7 anos na época.
"Muito gratificante poder rever essa ideia de que as
crianças precisam ser pequenas. Isso não é uma verdade única. Para algumas
pessoas, isso é uma verdade e tem que respeitar. Mas é possível abrir esse
leque", conta.
"O evento é muito bom por isso, o quanto a gente vê que
essas crianças precisam de uma família, um núcleo segurança, de cuidados. A
Marcella é uma menina incrível e merece muito viajar para divulgar esse projeto
dela. Se ele puder ser ampliado, vai trazer muitos frutos", diz Clarice.
"Há muitas crianças disponíveis para adoção acima dos 7
anos. Isso que é o mais difícil. As vezes os casos demoram da Justiça, e as
crianças vão crescendo. As nossas meninas entraram no abrigo com 4 e 7 anos,
ficaram 4 anos abrigadas. Muito tempo que se perde de uma vida, de uma
educação", conclui a mãe.
Fonte: G1 RS