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Artigo - Bloqueio de bens de devedores inscritos em dívida ativa é inconstitucional – Por Thais Minelli Peloi

Três ADIs sobre o tema relatadas pelo ministro Marco Aurélio aguardam análise pelo Supremo

No início deste ano foi publicada a Lei nº  13.606 que, dentre outras disposições, alterou a Lei nº  10.522, ao tratar sobre o procedimento adotado pela Fazenda Nacional, caso o sujeito passivo não efetue o pagamento de crédito tributário inscrito em dívida ativa.

Nos termos da lei, o devedor será notificado para realizar o pagamento do valor inscrito em até cinco dias e, se inadimplido o débito, a Procuradoria da Fazenda Nacional poderá averbar a certidão de dívida ativa nos órgãos de registro de bens e direitos sujeitos a arresto ou penhora, tornando-os indisponíveis.

Os procedimentos previstos na Lei nº  10.522/2002 foram regulamentados pela Portaria PGFN nº 33, de 8 de fevereiro de 2018, a qual, em resumo, reproduziu o disposto sobre o tema. Lá se encontra prevista a possibilidade de apresentação de impugnação à averbação. Desse modo, o sujeito passivo poderá contestar a averbação de bens, cuja impugnação será analisada pelo procurador da Fazenda Nacional responsável pela cobrança do crédito tributário.

Diante desse cenário, foram ajuizadas, até o momento, três Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs), com a finalidade de declarar a inconstitucionalidade da possibilidade de decretação da indisponibilidade de bens e direitos pela PGFN antes do ajuizamento da execução fiscal.

De acordo com os autores das ADI´s, os artigos prevendo a “averbação pré-executória” se encontram em desacordo com a Constituição Federal. Nos termos das razões aduzidas nas ações constitucionais impetradas, a ampliação de garantias e privilégios ao crédito tributário somente pode ser realizada por meio de lei complementar, por se cuidar de normas gerais em matéria tributária, de acordo com o disposto no artigo 146, III, “b” da CF/88.

Além disso, as ADIs sustentam que os dispositivos infringem diversos princípios constitucionais, entre os quais o pertinente à reserva de jurisdição (por se tratar de prerrogativa exclusiva do Poder Judiciário a indisponibilidade de bens de contribuintes); o devido processo legal e o direito de propriedade, que por constituir direito fundamental somente pode sofrer limitações com autorização expressa do Poder Judiciário.

As três ADI’s são relatadas pelo ministro Marco Aurélio e aguardam análise pelo Pleno do Supremo Tribunal Federal.

Em nota, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional esclareceu, em síntese, que (i) a indisponibilidade de bens não é prerrogativa exclusiva do Poder Judiciário; (ii) o direito de propriedade não foi afetado; (iii) a“averbação pré-executória” servirá somente até o ajuizamento da execução fiscal; (iv) o objetivo da medida é diminuir a quantidade de execuções fiscais levadas ao Poder Judiciário; (v) a “averbação pré-executória” protegerá os terceiros de boa-fé, que poderão se precaver em casos de alienação fraudulenta.

Pois bem. De início, é útil fazer uma breve comparação entre a “averbação pré-executória” e o arrolamento fiscal, que nada mais é do que uma medida acautelatória para impedir a alienação dos bens do contribuinte, sem que sejam, ao menos em tese, afetado o direito de livre disposição do bem.

Nesse sentido, de acordo com o Superior Tribunal de Justiça, o arrolamento fiscal não interfere no direito de propriedade, pois não implica em qualquer restrição ao uso, alienação ou oneração dos bens e direitos do contribuinte.

Diferentemente do arrolamento fiscal, o novo procedimento previsto na Lei nº  13.606/2018, torna os bens do contribuinte-devedor indisponíveis, ao averbar a certidão de dívida ativa nos respectivos órgãos de registro. Nota-se que a inconstitucionalidade suscitada nas ADI’s merece guarida.

Além do fato de a “averbação pré-executória” afrontar os princípios da reserva de jurisdição e propriedade, de igual modo pode ser considerada sanção de natureza política utilizada como meio coercitivo para o pagamento de tributos. Isso porque o contribuinte-devedor se vê obrigado a quitar seus débitos junto à Fazenda, a partir do momento em que fica privado da livre disposição de seus bens, antes mesmo do ajuizamento da ação de execução fiscal. Mas não é só.

Os dispositivos contestados representam ampliação às garantias e privilégios do crédito tributário, inicialmente com previsão no CTN. Assim, a sua ampliação não poderia encontrar previsão em lei ordinária, diante da previsão expressa da Constituição, quanto à necessidade de lei complementar para dispor sobre normas gerais relativas ao crédito tributário.

Assim, é de se esperar que o Supremo Tribunal Federal aprecie com a devida atenção as ADI´s impetradas e reconheça a inconstitucionalidade da “averbação pré-executória” prevista nos artigos 20-B a 20-E da Lei nº  10.522/2002, face à contrariedade aos princípios da reserva de jurisdição e ao direito de propriedade.

Thais Minelli Peloi – advogada do Departamento Tributário do Braga Nascimento e Zílio Advogados Associados, graduada em Direito pela Faculdade Damásio (FDDJ) em 2017.

Fonte: Jota