O ITCMD (imposto sobre a
transmissão causa mortis e doação) é um tributo de competência estadual e do
Distrito Federal no Brasil, destacando-se no estudo do Planejamento Patrimonial
e Sucessório. Incide sobre a transferência de bens ou direitos por herança
(causa mortis) ou doação. A competência estadual na definição dos contornos do
ITCMD é baseada no local do bem imóvel, domicílio do doador ou onde o processo
de inventário/arrolamento é instaurado para bens móveis. A União estabelece as
alíquotas máximas do imposto, variando de 2% a 8%, antes da aprovação da
Reforma Tributária.
Navegar pelo mar
do direito tributário brasileiro é, por vezes, uma jornada complexa. Entre os
muitos tributos que se apresentam em nosso horizonte jurídico, pelo menos antes
de aprovada a Reforma Tributária, o Imposto sobre a Transmissão Causa Mortis
e Doação - ITCMD merece grande destaque para o estudo do Planejamento
Patrimonial e Sucessório.
O ITCMD é um
imposto de competência dos Estados e do Distrito Federal. Ele incide sobre a
transferência de bens ou direitos por motivo de falecimento (causa mortis) ou
por doação. Em termos simples, quando alguém herda ou recebe como doação um bem
ou direito, surge a hipótese de incidência desse tributo, tal como delimitado
pela Constituição da República em seu art. 155, I.
Os contornos do
ITCMD, por sua natureza, são traçados primordialmente pelos Estados, conforme
orientação constitucional. Essa competência é pautada no local de situação do
bem imóvel ou, no caso de bens móveis, onde o processo de inventário ou
arrolamento for instaurado, ou ainda, no domicílio do doador. Importa ressaltar
que, mesmo sendo de competência estadual, a União, por meio do Senado, é
responsável por estabelecer as alíquotas máximas do imposto, conforme previsto
no artigo 155, § 1º, IV, CF. Aliás, esses limites, atualmente, antes de aprovada
a Reforma Tributária, vão de 2% a 8%.
Voltando ao
ponto, temos que na complexa conjuntura atual, agravada pela pandemia da
Covid-19, o planejamento sucessório ganhou destaque. Isso se deve, em parte, à
busca por maior segurança jurídica e, consequentemente, a uma organização
fiscal eficiente. E o usufruto, dentro do planejamento sucessório, emerge como
uma ferramenta valiosa nesse cenário, principalmente quando o objetivo é
antecipar a distribuição do patrimônio familiar.
O planejamento
estratégico da holding frequentemente envolve a interação do ITCMD na
transferência de quotas sociais. Em um cenário comum, o patriarca ou matriarca
cede essas quotas aos seus sucessores, por meio de doação. Paralelamente, a
reserva de usufruto, complementada por cláusulas adicionais, serve para
delinear e restringir o poder decisório desses novos sócios, proporcionando uma
camada extra de segurança para os fundadores da empresa.
O usufruto, por
sua vez conforme definido pelo Código Civil nos artigos 1.225 e 1.394, é um
direito real temporário que permite a uma pessoa (usufrutuário) usar e fruir os
bens alheios, móveis ou imóveis, e perceber-lhes os frutos/rendimentos, com a
obrigação de conservá-los e restituí-los ao final do período estipulado ou da
ocorrência de determinado evento.
Para elucidar
este ponto, é fundamental compreender a propriedade como uma estrutura de 4
lados:
A implementação
da reserva de usufruto assegura ao patriarca ou matriarca (no contexto do
planejamento) a manutenção de determinados direitos, com destaque para o uso e
gozo, ao passo que confere ao beneficiado (geralmente, um filho) apenas a
nua-propriedade.
Para
exemplificar, se um patriarca ou matriarca opta por doar uma quota, reservando
o usufruto para si, eles asseguram o direito de empregar e lucrar com essa
quota, seja através de venda ou locação. Em suma, a operação é comparável a uma
doação parcial do bem, onde os fundadores retêm o controle sobre os aspectos
vitais do ativo.
Portanto, uma
vez realizada a doação das quotas sociais da holding, inegável que haverá a
necessidade de promover o recolhimento do ITCMD, posto que esse imposto é
caracterizado pela transferência de propriedade, seja pela morte, seja pela doação.
Não há muitos questionamentos em relação a isso.
No entanto,
alguns Estados exigem, indevidamente, o pagamento desse imposto não só no
momento da doação com a reserva de usufruto, mas igualmente no momento em que
esse usufruto é extinto (com a renúncia ou morte do usufrutuário/doador). Tal
cobrança, defendemos, é ilegal por ofensa ao art. 110 do Código Tributário
Nacional - CTN.
Conforme dito
acima, o ITCMD, como essência, tributa a transferência da propriedade de um a
outro indivíduo quando da morte (causa mortis) ou da doação. Havendo
transferência da propriedade, nesses exatos termos, haverá hipótese de
tributação.
No entanto, não
se pode esquecer que, ainda que haja a reserva de usufruto na doação, a
propriedade do bem é transferida a outrem. No entanto, quando da extinção desse
mecanismo (usufruto), seja pela morte, seja pela renúncia, não há ato de
transmissão. Sua extinção atrai, no máximo, a concretização da propriedade
plena ao nu-proprietário.
Dito em outras
palavras, a extinção do usufruto não é causa de transferência de propriedade
(hipótese de tributação), uma vez que esta (transferência de propriedade) já
ocorreu no momento da doação. Tanto é assim que, uma vez realizada a doação de
imóvel com ou sem reserva de usufruto, constará na matrícula do mesmo o nome do
novo proprietário após o pagamento do imposto.
A extinção do
usufruto configura, portanto, a consolidação da propriedade ao nu-proprietário.
É nesse momento que o proprietário terá acesso irrestrito aos 4 pilares da
propriedade descritos acima (uso, gozo, disposição e reivindicação).
Eventual
entendimento diverso, ou seja, equiparar a extinção de usufruto à doação, além
de ser uma atecnia jurídica, viola o previsto no art. 110, do Código Tributário
Nacional, que assim determina:
Art. 110. A lei
tributária não pode alterar a definição, o conteúdo e o alcance de institutos,
conceitos e formas de direito privado, utilizados, expressa ou implicitamente,
pela Constituição Federal, pelas Constituições dos Estados, ou pelas Leis Orgânicas
do Distrito Federal ou dos Municípios, para definir ou limitar competências
tributárias.
Esse
entendimento, inclusive, já é adotado em diversos precedentes nos tribunais
brasileiros, a exemplo do TJ/DF e Territórios - TJDFT:
A extinção do
usufruto vitalício com a morte do doador-usufrutuário não caracteriza fato
gerador de ITCMD, pois não há transferência da propriedade - realizada por
ocasião do registro da doação -, mas apenas a consolidação do domínio pleno do
bem, de modo que se mostra ilegal e arbitrária a exação tributária
correspondente. Donatário de imóvel com reserva de usufruto vitalício dos
genitores ajuizou ação em desfavor do Distrito Federal na qual pleiteava a
restituição da quantia paga a título de imposto de transmissão causa mortis e
doação - ITCMD, condição exigida para o registro da extinção do gravame à época
do falecimento dos usufrutuários. O Juízo singular julgou procedente o pedido,
ao fundamento de que o ITCMD somente pode incidir uma única vez, o que, no
caso, ocorreu no momento da doação. Contra referida decisão, o ente federado
interpôs recurso inominado. Na análise do recurso, os Magistrados consignaram
que compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir imposto de transmissão
causa mortis e doação de quaisquer bens ou direitos, conforme disposto no art.
155 da Constituição Federal e, no DF, concretizado pela lei Distrital 10/88. Na
hipótese, esclareceram que os pais do autor lhe doaram um imóvel, com reserva
de usufruto vitalício, ocasião em que foi pago o ITCMD sobre a nua propriedade,
avaliada em 100% do valor do bem. Destacaram ainda que a transferência integral
da propriedade ocorreu com o registro da doação. Posteriormente, com a morte
dos genitores e a extinção do usufruto, o donatário consolidou a propriedade plena
do imóvel, ou seja, passou a deter todos os poderes inerentes ao domínio. Nesse
contexto, os Julgadores entenderam que eventual morte do usufrutuário ou
renúncia do usufruto, ainda que extingam o gravame, não implicam transmissão da
propriedade do bem imóvel; logo, não podem ser considerados como fato gerador
do tributo. Assim, concluíram ser ilegal e arbitrária a nova exação tributária
e negaram provimento ao recurso. (Acórdão 1349669, 07070459020208070018,
Relator: Juiz EDILSON ENEDINO DAS CHAGAS, Primeira Turma Recursal dos Juizados
Especiais do Distrito Federal, data de julgamento: 18/6/21, publicado no DJe:
6/7/21)
No tribunal
paulista não é diferente, conforme precedentes: Remessa Necessária Cível
1068675-67.2022.8.26.0053 e Remessa Necessária Cível 1001413-04.2021.8.26.0452.
Damos ênfase, ainda ao recentíssimo julgamento da Apelação nº
1007435-77.2022.8.26.0053:
Apelação e
reexame necessário. Mandado de segurança visando afastar a incidência do ITCMD
pelo cancelamento do usufruto reservado aos genitores por ocasião de sua morte.
Possibilidade. Consolidação da propriedade plena em favor do nu-proprietário.
Ausência de previsão legal de incidência de ITCMD na hipótese. Sentença
mantida. Recurso e reexame necessário desprovidos.
[...]
Conforme
pontuado pela r. sentença, a extinção/cancelamento do usufruto não se confunde
com transmissão "causa mortis" ou tampouco com doação, tratando-se,
na verdade, de consolidação da propriedade plena na pessoa do nuproprietário.
Portanto, não se caracteriza como fato gerador de ITCMD.
Aliás, frise-se
ser descabível equiparar a extinção de usufruto à doação, sob pena de exceder
os limites da competência tributária, nos termos do artigo 110 do CTN: "A
lei tributária não pode alterar a definição, o conteúdo e o alcance de
institutos, conceitos e formas de direito privado, utilizados, expressa ou
implicitamente, pela Constituição Federal, pelas Constituições dos Estados, ou
pelas leis Orgânicas do Distrito Federal ou dos Municípios, para definir ou
limitar competências tributárias."
De igual modo, o
tribunal de Minas Gerais também entende que a extinção do usufruto não poderá
ser comparada à doação a fim de permitir a incidência do imposto sobre
transmissão:
EMENTA:
[...]
A matéria objeto
deste mandado de segurança não é inédita, sendo que a jurisprudência deste
TJ/MG é pacífica em reconhecer a ilegalidade da cobrança de ITCD no ato de
cancelamento do registro do usufruto no Cartório de Registro de Imóveis, nas
hipóteses de falecimento do usufrutuário.
[...]
Com especial
destaque, transcrevo a ementa do Incidente de Arguição de Inconstitucionalidade
n.º 1.0024.13.032516-0/004, julgado em 31/01/2017, em que o Órgão Especial
deste TJMG entendeu ser inconstitucional a norma estadual que previa a cobrança
de ITCD sobre a extinção do usufruto: INCIDENTE DE ARGUIÇÃO DE
INCONSTITUCIONALIDADE - ARTIGO 1º, VI, DA LEI ESTADUAL 14.941/03 - ITCD -
INCIDÊNCIA SOBRE EXTINÇÃO DE USUFRUTO - NORMA EM CONFRONTO COM O ARTIGO 155, I,
DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL - INCONSTITUCIONALIDADE INCIDENTE ACOLHIDO.- Na
extinção do usufruto não há transmissão de direito real, mas efetivação de
todos os atributos da propriedade em favor do proprietário, que poderá exercer
todos os direitos dela decorrentes. Assim, o artigo 1º, VI, da lei estadual
14.941/03 é inconstitucional por criar hipótese de incidência do ITCD não
prevista no artigo 155, I, da Constituição Federal. (TJ/MG - Arg
Inconstitucionalidade 1.0024.13.032516-0/004, Relator(a): Des.(a) Moreira
Diniz , ÓRGÃO ESPECIAL, julgamento em 31/1/17, publicação da súmula em 17/2/17)
Fica claro,
portanto, que o contribuinte não pode ser obrigado a recolher o ITCMD quando da
extinção do usufruto (seja pela pela morte ou pela renúncia do usufrutuário),
pois, além de contrariar o princípio da legalidade, destoa da própria norma do
CTN e fere a hipótese de incidência desse tributo.
Em um país com
uma malha tributária tão densa como o Brasil, é vital que o planejamento
patrimonial seja executado de forma individualizada, mas, além de tudo, por profissional
experiente. Isso trará à família e, consequentemente à empresa familiar,
clareza sobre suas obrigações e possibilidades.
Fonte: Migalhas