A
formalização do namoro derivou da necessidade de resguardar patrimônio
individual após fim da relação afetiva. Veja como e quando se deve fazer o
documento.
"a
vida é breve, e o amor mais breve ainda..."
Mário
Quintana
Colocar tudo
no papel, quando se trata de namoro, é uma tendência moderna. Não se trata de
união estável, muito menos de casamento: é simplesmente o namoro tutelado pela
lei, resguardando o patrimônio individual dos apaixonados.
Em uma
realidade de relacionamentos cada vez mais efêmeros, a autorização para esse
tipo de contrato no ordenamento jurídico pátrio, e a sutil diferença entre ele
e a união estável, são temas que instauram muitas dúvidas nas cabeças e
corações dos brasileiros.
Amar...
verbo intransitivo?
Se as
relações forem idealizadas pelo princípio exclusivo do afeto, contrato de
namoro é uma expressão com termos aparentemente inconciliáveis. Amar pode ser
verbo intransitivo, mas não é intransigível: é possível harmonizar o namoro
romântico com a racionalidade de um ato contratual.
Ainda visto
como novidade, nem sempre aceitável, o contrato de namoro é prova de que novas
configurações de relacionamentos resvalam no Direito Civil, o qual admite
situações mais amplas do que o casamento e a união estável.
O modelo
clássico de relação afetiva, herança da legislação portuguesa, não via abertura
para um namoro com efeitos patrimoniais, porque, na época, o namoro era uma
relação incipiente, restrita, um ensaio para o futuro matrimônio. Mas o tempo
agora corre em ritmo baumaniano... tudo é líquido.
De fato, lá
se foi o trovadorismo. E os casais, temerosos dos efeitos de amores cada vez
mais oscilantes, passaram a resguardar seus direitos. E como o ChatGPT não
explica como se resguardar de uma desilusão amorosa, a solução é depositar as
fichas na proteção do patrimônio individual.
É nesse
contexto que casais passaram a recorrer ao formato extrajudicial de
formalização do namoro, via contrato. O principal escopo é evitar eventual
confusão patrimonial decorrente do término da relação e, de acordo com Giselle
Oliveira de Barros, presidente do Colégio Notarial do Brasil, privilegiar a
segurança jurídica.
"A
segurança jurídica de uma relação pode ser garantida nas mais diversas
formatações de relacionamento, incluindo os que querem garantias durante aquele
período de 'conhecer melhor' o seu parceiro, sem se comprometer com a intenção
de formar uma família. É uma forma de estabelecer uma linha concreta entre um
namoro e uma união estável, evitando uma possível confusão patrimonial durante
este período da relação."
Em termos de
legislação, pelo princípio civilista da autonomia da vontade, o contrato de
namoro é possível como contrato atípico, conforme art. 425 do CC, pois toda
pessoa capaz tem o direito de contratar da forma que lhe convier. Assim, desde
que personalíssimo, resultante da vontade entre partes livres e capazes e
ausente fator impeditivo, o contrato será válido.
Portanto, se
as partes são capazes e consensualmente estabelecem contrato, o Estado, em
respeito ao princípio de intervenção mínimo na vida privada, não deve privá-las
de firmar um contrato de namoro.
O
contrato de namoro em tempos de união estável
Um dos
pontos mais sensíveis a respeito do contrato de namoro é a tênue linha entre
ele e a união estável. Esta foi reconhecida como entidade familiar pela
Constituição de 1988 e regulamentada pelo CC.
Conforme o
art. 1.723 do CC, a união estável é reconhecida como a união entre homem e
mulher, em convivência pública, contínua e duradoura, com o objetivo de
constituição de família, equiparada ao casamento e sujeita aos mesmos
impedimentos deste. Observe que a redação do CC já ficou vetusta, pois,
desde 2011 o STF reconhece a união estável entre pessoas do mesmo
sexo. Além disso, conforme o art. 226, §3º da CF, a
conversão da união estável em casamento deve ser facilitada pela lei.
Por sua vez,
no contrato de namoro, segundo o juiz de Direito e professor, Pablo
Stolze Gagliano os indivíduos declaram ser namorados e há ausência da
intenção de constituir família.
"Trata-se
de um negócio celebrado por duas pessoas que mantêm relacionamento amoroso
- namoro, em linguagem comum - e que pretendem, por meio da assinatura de
um documento, a ser arquivado em cartório, afastar os efeitos da união
estável."
Foi nesse
sentido que, em 2012, a 3ª turma do STJ proferiu decisão no REsp
1263015/RN. De acordo com a relatora, ministra Nancy Andrighi, o "desejo
de constituir uma família [...] é essencial para caracterizar a união estável,
pois distingue um relacionamento, dando-lhe a marca da união
estável, ante outros tantos que, embora públicos, duradouros e não
raras vezes com prole, não têm o escopo de serem família, porque assim
não quiseram seus atores principais".
O namoro,
afinal, trata-se de relação de afetividade na qual as pessoas partilham
momentos com parcela menor de responsabilidades e após o fim da relação,
independentemente do tempo convivido, cada um ficará com os respectivos bens
individuais.
Carlos E.
Elias de Oliveira, professor de direito civil e notarial e consultor
legislativo do Senado, aponta que a contratualização de um relacionamento
afetivo pode gerar mal-estar pela sensação de falta de confiança. Aliás, é esse
aspecto cultural que influencia na decisão de contratualizar um namoro.
Ainda,
segundo o professor, é pela razão da maturidade que o contrato de namoro no
Brasil costuma ser feito por casais com maior bagagem de vida e/ou por pessoas
com patrimônio já consolidado, ou com filhos de relacionamentos
anteriores.
Números
De acordo
com dados do Colégio Notarial do Brasil, de 2007 a 2015 a quantidade de
contratos de namoro firmados no Brasil foi bastante baixa, atingiu patamares
máximos de sete contratos anuais em dois anos.
Os números
aumentaram a partir de 2016, quando foram registrados 26 contratos do gênero. O
ápice, entretanto, ocorreu em 2022, quando 92 contratos de namoro foram
contabilizados.
Esse aumento
recente, segundo o Colégio Notarial do Brasil, pode ser explicado pelo período
de pandemia, quando muitos casais de namorados passaram a morar com seus
parceiros, mesmo sem a intenção de constituir família.
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Fontes:
GAGLIANO,
Pablo Stolze. Novo curso de direito civil, volume 6: direito de família /Pablo
Stolze Gagliano, Rodolfo Pamplona Filho. - 7. ed. - São Paulo: Saraiva, 2017.
1. Direito Civil - brasil 2. Direito de família - Brasil I. Pamplona Filho,
Rodolfo II. Titulo. 16-1552 CDU 347.6
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Fonte: Migalhas