Os tipos de cartório e a república federativa das
nomenclaturas
A organização das serventias extrajudiciais brasileiras é
regida, em cada unidade federativa, pelas chamadas "Leis de Organização
Judiciária". Em que pese essa organização não seja propriamente
"judiciária", mas sim "extrajudiciária", na prática, a
criação, extinção e modificação dos cartórios e de suas circunscrições são
realizadas sistematicamente de acordo com a mesma lei que cria, extingue e
modifica os fóruns e suas comarcas no âmbito da Justiça Estadual.
Falta realmente uma regra de nomeação (ou de padronização
de nomes dos cartórios). Malgrado cada cartório, conforme a especialidade da
serventia notarial e registral, tenha de ser nomeado de acordo com sua
atribuição específica, alguns Estados teimam em tornar essa tarefa cada vez
mais difícil, criando regras próprias.
No Estado da Bahia, onde existem cartórios com
atribuições de Tabelionatos de Notas cumulados com Registros Civil das Pessoas
Naturais, bem como Tabelionatos de Notas cumulados com Tabelionatos de
Protesto, convencionou-se chamar esses cartórios, erroneamente - nomenclatura
existente na Lei de Organização Judiciária baiana e, em geral, nas fachadas dos
cartórios desse Estado, mas não na legislação federal - de "Registro Civil
com Funções Notariais" e de "Tabelionato de Notas com Funções de
Protesto", respectivamente. Tal conduta acaba confundindo bastante os
usuários do serviço, dada que as nomenclaturas estaduais estão em desacordo com
a prevista na lei federal e, por esse motivo, acabam variando de Estado para
Estado.
A mesma lógica deve se aplicar nas nomenclaturas dos
cartórios de São Paulo, onde é comum termos um "Registro de Imóveis e
anexos", sem discriminar quais as atribuições notariais e/ou registrais
dos ditos "anexos".
São Paulo ainda tem um fenômeno mais curioso, a
Corregedoria bandeirante, e os próprios Tabeliães de Notas, parecem confundir a
nomenclatura do cartório com a do titular da delegação pública, não sendo
incomum constar em fachadas o nome "1º Tabelião de Notas de
(cidade)", ao invés de 1º Tabelionato de Notas. Ora, eu vou ao
tabelionato, ao cartório (local), e não ao tabelião (pessoa física - que
eventualmente pode nem estar lá!). O nome do local e da serventia (cartório) é
o nome do tabelionato, o local onde se presta o serviço público, o delegatário,
de sua vez, é o titular do serviço, e não a serventia. Ademais, nos parece que
essa nomeação dos cartórios acaba por dificultar ainda mais o entendimento dos
usuários do serviço e depõe contra a almejada padronização.
Algo interessante ocorre em Santa Catarina, em que as
normas locais prescrevem a existência de uma serventia chamada "Escrivania
de Paz" (atribuição de Tabelionato de Notas e Registro Civil das Pessoas
Naturais), cuja nomenclatura não tem qualquer relação com a norma que
regulamenta os cartórios a nível nacional, a lei 8.935/1994.
Ainda, entendemos que a norma, uma vez que disciplina a
nomenclatura específica de cada um dos profissionais responsáveis pelos
serviços notariais e registrais, veda a utilização de terminologias diversas
daquelas previstas em lei. Assim, nominar um "Ofício de Registro de
Imóveis" de "Registro de Imóveis e Hipotecas" (como ocorre na
Bahia) ou de "Registro Geral de Imóveis" (como ocorre no Rio de
Janeiro - e existe um Registro Específico de Imóveis, por acaso?), vai de
encontro com a finalidade de padronização nacional e só cria mais dificuldade
de compreensão dos cidadãos, que veem diferentes nomes para a mesma coisa pelas
unidades federativas afora.
Ainda que as nomenclaturas adotadas sejam históricas e
costumeiras, não encontram respaldo na legislação federal vigente,
regulamentadora da matéria. Não se busca, pois, desprezar, de forma indistinta,
as nomenclaturas antigas e regionais, mas atuar em prol de que se utilize as
nomenclaturas padrões a nível nacional de forma destacada e uniforme,
observando a lei 8.935/1994.
Falando em lei 8.935/1994, esta prevê o seguinte
dispositivo legal:
Art. 5º. Os titulares de serviços notariais e de registro
são os:
I - tabeliães de notas;
II - tabeliães e oficiais de registro de contratos
marítimos;
III - tabeliães de protesto de títulos;
IV - oficiais de registro de imóveis;
V - oficiais de registro de títulos e documentos e civis
das pessoas jurídicas;
VI - oficiais de registro civis das pessoas naturais e de
interdições e tutelas;
VII - oficiais de registro de distribuição (grifo
nosso).
Algumas nomenclaturas talvez devessem ser simplificadas
para evitar a dificuldade dos usuários em compreender a função de cada atividade.
Veja-se os dois pontos destacados em negrito.
Nos parece que o nome sem fim "Ofício de Registro
Civil das Pessoas Naturais e de Interdição e Tutela" (quase falta ar para
conseguir pronunciar!) deveria ser apenas e tão somente "Ofício de
Registro Civil das Pessoas Naturais", uma vez que as atribuições de
registro de interdição é só mais uma atribuição legal destes ofícios, quando se
encontrarem na 1ª subdivisão judiciária de cada comarca (art. 89 da LRP). Além
disso, não existe no Registro Civil o registro de tutela. Em nossa opinião,
dizer que um "Registro Civil das Pessoas Naturais" é de
"Interdições e Tutela" em nada acrescenta ao público, pois se é assim
chamaríamos de "Ofício de Registro Civil das Pessoas Naturais e de
Interdições e Tutela e Emancipações e Opções de Nacionalidade e União Estável e
Ausência etc."
De igual modo, correta e mais simples seria a
terminologia "Tabelionato de Protesto", sem o adjetivo
"[Protesto] de títulos", vez que os títulos são um dos objetos do seu
procedimento. Se usarmos a lógica, o nome completo teria de ser, no mínimo,
"Tabelionato de Protesto de Títulos e outros Documentos de Dívida"
(preciso de mais fôlego!). Melhor mesmo apenas "Tabelionato de
Protesto", deixa pra lei (e não para o nome do cartório) dizer que
documentos podem ser objeto do ato formal e solene.
Apenas para finalizarmos e percebermos o quanto esses
nomes que muito dizem, nada dizem. Dizer que um RCPN é "de interdições e
tutelas" e que um TP é "de títulos" nada mais é do que repetir o
erro de chamar um "Ofício de Registro de Imóveis" de "Ofício de
Registro de Imóveis e Hipotecas" (como já citamos o exemplo do Estado da
Bahia), se formos por essa lógica teremos de nominar atualmente, na designação
do cartório predial, todos os atos atinentes previstos no art. 167 da LRP (haja
fachada!).
Terminamos mais um capítulo de nossa série Nomenclaturas
Notariais e Registrais. No próximo bloco, vamos tratar sobre os conceitos de
Notariado e de Registratura.
Fonte: Migalhas