O Supremo Tribunal Federal, em
recente decisão, examinou importante discussão envolvendo conflito de
competência tributária entre entes federados, em que os estados e a União
exigem, respectivamente, a incidência do Imposto de Transmissão Causa Mortis e
Doação (ITCMD) e do Imposto de Renda (IR) sobre o ganho de capital decorrente
da valorização de bens transmitidos por herança ou doação.
O ITCMD incide na transferência
da propriedade de bens e direitos decorrentes da herança ou doação, tendo como
contribuinte o herdeiro ou o donatário, cujas alíquotas variam de estado para
estado, podendo chegar até 8%.
O IR, exigido pela União,
incide sobre o eventual ganho de capital auferido na atualização do valor do
bem no momento da transferência da propriedade, tendo como contribuinte o
doador ou espólio/herdeiros, variando a alíquota entre 15% e 22%.
Parece-nos que, em razão da
transmissão de bens por herança ou doação, que se sujeita constitucionalmente à
incidência do ITCMD (CF, artigo 155, I), admitir também a incidência do IR
sobre os mesmos fatos implica bitributação e transgressão à norma
constitucional de repartição de competência tributária.
A partir da noção de
federalismo fiscal, a Constituição Federal distribuiu as competências
tributárias entre os entes federados — União, estados, municípios e Distrito
Federal —, em que a atribuição de um ente para instituir impostos sobre
determinado fato exclui a competência dos demais (STF, ADI 4.565, relator:
ministro Roberto Barroso).
Se a Constituição, em seu
artigo 155, inciso I, atribui aos estados a competência tributária de instituir
imposto sobre a transmissão de bens e direitos por herança ou doação (ITCMD),
afigura-se que deve ser, pois, excluída a competência tributária de a União
instituir Imposto de Renda (IR) sobre os mesmos fatos, ainda que haja ganho de
capital.
A Fazenda Nacional sustenta que
não haveria uma bitributação, eis que o IR não incide em si sobre a herança ou
a doação, mas apenas sobre o ganho de capital decorrente da valorização e que
somente foi aferida no momento da transferência.
A vingar a tese sustentada pela
Fazenda Nacional, haveria tanto a incidência do ITCMD, em razão da transmissão
de bens e direitos por herança ou doação, como também do IR sobre o ganho de
capital dos bens transmitidos pelos mesmos fatos. No entanto, há flagrante
bitributação, na medida em que o recolhimento do ITCMD abrange o valor
atualizado dos bens e direitos por herança ou doação.
A 1ª Turma do STF, relator:
ministro Roberto Barroso, no ARE 1.387.761, decidiu, em 22/2/2023, que admitir
a incidência de IR sobre a valorização de bem decorrente da herança ou da
doação já sujeita ao ITCMD configura bitributação.
Além disso, o constituinte
repartiu o poder de tributar entre os entes federados, introduzindo regra
constitucionais, que, sobretudo no que toca aos impostos, predeterminam as
materialidades tributárias, servindo tal modelo como impedimento para que uma
mesma materialidade venha a concentrar mais de uma incidência de impostos de
entes diversos.
Se o ITCMD é calculado
tomando-se por base o valor atualizado dos bens, importa reconhecer que tal
tributação abrange o mesmo fato jurídico eleito pela Fazenda Nacional a título
de IR sobre o ganho de capital, qual seja, a diferença a maior entre o valor de
mercado e o valor da aquisição dos bens, o que é suficiente para configurar
bitributação.
Portanto, a pretensão da
Fazenda Nacional de tributar, como se ganho de capital fosse, a diferença a
maior encontrada entre o valor de mercado e o valor da aquisição de bens
encontra óbice intransponível na competência tributária definida no artigo 155,
I, da Constituição como também na proibição da bitributação, eis que a
tributação de bens decorrentes da herança ou doação se sujeita à incidência do
ITCMD, incluindo o eventual ganho de capital ou da valorização dos bens.
Gleydson K. L. Oliveira é mestre e doutor em Direito pela PUC-SP, professor da
graduação e mestrado da UFRN e advogado.
Fonte: ConJur