Por desafogar o atribulado judiciário, este tipo de usucapião
caracteriza-se por ser célere, reduzindo as décadas de duração dos processos
judiciais para uma solução aproximada de até cinco meses.
A usucapião extrajudicial, como o próprio nome indica, é um processo
realizado fora da via jurisdicional, ou seja, o procedimento é realizado
diretamente perante um cartório de registro de imóveis, razão pela qual é
denominada também de usucapião administrativa.
A via extrajudicial está regulada na lei de Registros Públicos - LRP
(lei 6.015/73). O novo CPC inseriu na LRP o art. 216-A, criando o procedimento
de usucapião extrajudicial, o qual sofreu alguns "ajustes"
posteriores feitos pela Lei da Reurb (lei 13.465/17), que inseriu
significativas mudanças no procedimento.
Para regulamentar a aplicação das regras do art. 216-A, em 14/12/17 foi
editado o provimento 65 do Conselho Nacional de Justiça - CNJ, que traz mais 27
artigos que detalham o procedimento da usucapião extrajudicial, uniformizando o
rito nos diversos cartórios de imóveis do País.
Por desafogar o atribulado sistema judiciário, este tipo de usucapião
caracteriza-se por ser mais célere, reduzindo as décadas de duração dos
processos judiciais de outrora para uma solução aproximada de até cinco meses,
variando de caso para caso.
Agora, aquele que postula a propriedade em juízo pode optar por
suspender o processo e tentar regularizar seu imóvel pela via extrajudicial. Em
sentido inverso, quem suportar o indeferimento do pleito em cartório não é
obstado de seu direito à postulação judicial.
De proêmio, mister se faz identificar se o imóvel pode ser usucapido,
devendo ser atendido alguns requisitos, os quais viabilizarão o pleito
extrajudicial, dentre eles o temporal, ou seja, a posse do imóvel deve ser de no
mínimo 15 (quinze) anos ininterruptos, podendo ser reduzida para 10 (dez), se a
propriedade caracterizar-se como moradia habitual do postulante e, se o mesmo
tiver realizado benfeitorias produtivas no local, o prazo pode ser menor ainda.
Na hipótese do imóvel ser unidade autônoma de um condomínio edilício,
não é necessário que haja consentimento dos titulares de direitos reais e
outros direitos registrados ou averbados na matrícula dos imóveis.
Todavia, há alguns impedimentos para que o requerimento ocorra. Nesse
sentido, não é permitido proceder à usucapião de:
O procedimento cartorário de usucapião extrajudicial tem lugar quando se
obtém a concordância dos envolvidos. Neste caso, não haverá litígio e o
registro pode ser feito pelo Oficial de Registro de Imóveis, não havendo a
interferência do Poder Judiciário e o Oficial de Registro de Imóveis verificar
a presença dos requisitos legais para a usucapião, rendendo azo a que faça a
transferência do imóvel para o novo proprietário, independente de ordem
judicial.
Em suma, o direito a requerer a usucapião extrajudicial resguarda
pessoas físicas e também jurídicas, que ocupem o local legitimamente, desde que
se caracterize a posse mansa e pacífica do imóvel, de forma prolongada.
O primeiro passo do postulante é se dirigir a um cartório de notas que
esteja localizado no mesmo município do imóvel. Lá, será emitida uma ata
notarial constando o tempo de permanência na propriedade, o que deverá ser
devidamente comprovado pelo requerente.
Frise-se que a legislação vigente exige que o pedido de reconhecimento
extrajudicial de usucapião deve ser obrigatoriamente intermediado por um
advogado, por meio de representação (procuração por instrumento particular ou
público, com poderes especiais para tanto).
Ali será necessário comprovar a inexistência de disputas judiciais -
como ações reivindicatórias e possessórias - relacionadas ao imóvel, através
das respectivas certidões.
A seguir, o postulante, por seu advogado, deverá se dirigir ao cartório
de registro de imóveis, onde serão apresentados a ata notarial e uma gama de
documentos necessários para a regularização do bem.
O procedimento ainda inclui a análise de toda esta documentação, a
publicação de um edital, a comunicação aos antigos proprietários sobre a ação
de usucapião, bem como a manifestação do poder público.
Como se depreende, o procedimento de usucapião extrajudicial inicia-se
em um cartório de notas e, posteriormente, tem andamento em um cartório de
registro de imóveis, até que ocorra o registro, sendo que obrigatoriamente este
último deverá pertencer à mesma circunscrição do imóvel usucapiendo, ou seja,
ele deve estar localizado na mesma Comarca da propriedade imobiliária que se
deseja registrar.
Documentos necessários para usucapião extrajudicial:
O art. 4º, do provimento 65, do CNJ, traz um rol maior de documentos
exigidos do que o previsto no art. 216-A, da LRP, porém abaixo seguem os 5 mais
relevantes:
1) Ata notarial atestando a posse.
A ata notarial é um documento feito por outro cartório - o
cartório de notas. É um documento em que o Oficial atesta a ocorrência de
determinada situação de fato.
Como a usucapião é baseada na posse, e como a posse é uma situação de
fato, a lei previu a exigência de uma ata notarial que ateste o tempo de posse.
O interessado, antes de requerer a usucapião no cartório de imóveis, deve
requerer a ata notarial no cartório de notas.
O tabelião de notas poderá ir ao local, verificar a ocupação do bem,
ouvir testemunhas, analisar documentos, fotos etc. Com essas informações, o
tabelião verificará o tempo de posse do interessado sobe o imóvel. Tudo será
por ele declarado num documento (ata), que deverá ser anexado ao pedido de
usucapião extrajudicial a ser depois realizado no cartório de imóveis.
2) Planta e memorial descritivo do imóvel.
A planta e memorial descritivo são documentos produzidos por engenheiro
(casas e prédios) ou por agrimensor (terrenos em geral). Esses documentos devem
estar assinados por um profissional regularmente inscrito em seu conselho de
classe.
O provimento 65, do CNJ (art. 4º, §5º) dispensa, contudo, a apresentação
de planta e memorial descritivo para imóveis consistentes em unidades autônomas
de condomínio (apartamentos, salas, vagas) ou lote regular, bastando que no
requerimento seja informado o número da matrícula do bem.
3) Assinatura da planta pelos envolvidos.
Como o procedimento de usucapião extrajudicial é baseado na concordância,
a LPR (art. 216-A, II) exige que a planta e o memorial descritivo sejam
assinados pelos titulares de direitos sobre o imóvel. Ex.: o atual
proprietário, um possível usufrutuário ou superficiário. Além dos profissionais
responsáveis, citados acima.
A ideia da lei é que essa assinatura representa anuência com o
requerimento de usucapião extrajudicial e demonstra que concordam em que a
propriedade passe a ser registrada no nome do requerente/possuidor.
O provimento 65 (art. 4º, II) exige ainda a assinatura de todos os
ocupantes (se mais de um) e dos titulares dos imóveis confinantes (vizinhos de
parede ou cerca).
A lei da Reurb, em 2017, alterou a redação da LRP (art. 216-A, §11 e
§12) para prever que, em condomínios regulares, bastará a assinatura do
síndico, dispensadas as assinaturas de todos os vizinhos.
Já o provimento 65, do CNJ, autoriza que seja usado documento autônomo,
manifestando consentimento em separado, dispensando assinatura na planta e
memorial (art. 10, caput). O provimento autoriza que esse documento autônomo
seja escritura pública ou mesmo particular, desde que com firma reconhecida
(art. 10, §7º). A norma não trata disso, mas sugerimos que o possuidor obtenha,
por cautela, o reconhecimento de firma do anuente, pelo método da autenticidade
(não mera semelhança).
Se falecidos, serão legítimos para manifestação os herdeiros, desde que
haja escritura pública declaratória de únicos herdeiros, acompanhada de
nomeação de um deles como inventariante (provimento 65, art. 12).
4) Certidões negativas.
Como a usucapião se baseia na posse considerada mansa e pacífica, a lei
exige que o requerimento traga provas disso. A posse é mansa e pacífica quando
não foi reclamada pelo suposto dono ou mesmo outro possuidor mais privilegiado.
Essa prova é feita pelas certidões negativas de distribuição - que vão
atestar que nenhuma ação foi ajuizada contra o possuidor interessado. No caso,
atestam que a posse não foi reclamada.
O provimento 65 do CNJ (art. 4º, IV) exige que essas certidões sejam
obtidas em nome:
a.
Do interessado;
b.
Do seu cônjuge ou companheiro;
c.
Dos possuidores anteriores e seus
cônjuges ou companheiros (caso o tempo de posse dos anteriores tenha sido
somado para cômputo total da posse);
d.
Do proprietário e seu cônjuge ou companheiro;
e.
As certidões negativas devem ser
retiradas junto à justiça local e também federal.
5) Justo título ou documentos que atestem a posse.
Embora a lei já tenha dito que a ata notarial ateste a posse, ela também
determina trazer outros documentos com a mesma finalidade.
O justo título é um documento que deveria ter força para transferir a
propriedade, caso não houvesse nele um defeito jurídico. Ex.: um contrato de
compra e venda posteriormente anulado.
A teoria discute o alcance dessa expressão "justo título"
(visto que não há uma definição na lei), mas o legislador escapou dessa disputa
ao usar o termo "ou quaisquer outros documentos."
A necessidade é trazer documentos que demonstrem o tempo de posse, se a
posse foi contínua (uma interrupção reinicia a contagem do prazo), se a posse é
de boa-fé ou de má-fé (muda o prazo exigido por lei) etc.
Não por acaso há a obrigatoriedade de que um requerimento de usucapião
seja intermediado por um advogado. É este profissional quem vai garantir que o
processo ocorra de forma segura e dentro dos parâmetros legais.
Afinal, apesar de ser menos oneroso e mais célere que um requerimento
realizado judicialmente, o processo de usucapião via cartório é repleto de
detalhes importantes.
Nesse sentido, a atuação atenta de um advogado especialista em direito
imobiliário poderá garantir o sucesso da empreitada e se você acredita que a
usucapião de imóveis em cartório é a opção mais vantajosa para que possa
regularizar o registro de sua propriedade, embarque nessa viagem.
Derradeiramente, finalizamos esta matéria honrados de termos uma
legislação de Primeiro Mundo, que a passos largos avança célere no combate à
burocracia, sempre mantendo incólume o Estado de Direito e a preservação da
democracia.
*Richard Franklin Mello d'Avila é graduado em 1988
pela PUC-Campinas, sócio da MORELLI & D'AVILA SOCIEDADE DE ADVOGADOS desde
1989, pós-graduado em Advocacia Consultiva e atuou como relator da Comissão de
Ética da OAB/Subseção-Campinas por quatro anos.
Fonte: Migalhas