O ano de 2022
foi um ano de readaptação no Brasil pós-pandemia. Embora as restrições impostas
por conta da Covid-19 tenham sido retiradas, muitas mudanças permaneceram. Além
da mudança de costumes sociais voltados à prevenção e higiene, como uso de
máscara, utilização de álcool em gel a todos os momentos, proibição de
acompanhantes em muitos locais de saúde, entre outros, a vida profissional,
inclusive no meio jurídico, foi marcada pelo "home office"
permanente.
Muitas empresas
mantiveram os funcionários trabalhando à distância de forma definitiva, graças
à possibilidade dos sistemas digitais para manter uma equipe em funcionamento à
distância. No direito não foi diferente.
A lei 14.382, de
27 de julho de 2022, foi, sem dúvidas, a mais impactante para a atividade
notarial e registral. Tal lei alterou e inseriu inúmeros dispositivos na lei
6.015/1973 (Lei dos Registros Públicos), e em outras igualmente relevantes para
a atividade, tais como a lei 13.465/2017 e a lei 6.766/1979.
As novidades por
ela trazidas ainda estão sendo amplamente discutidas, mas o que se observa
desde já é a priorização que ela trouxe ao sistema eletrônico nas serventias
extrajudiciais. O art. 1º instituiu sistema eletrônico de registros públicos
(SERP) já com a ideia de unificar e modernizar os sistemas de registros
públicos, para criar uma conexão não só entre todas as serventias do país, mas
também entre elas e outros órgãos públicos. Além disso, o usuário também poderá
solicitar certidões em qualquer serventia, já que todas terão acesso ao mesmo
sistema. Por hora, está-se aguardando sua implementação, que deverá ocorrer em
2023.
Mas o SERP é
apenas um dos aprimoramentos digitais instituídos pela lei 14.382/2022. Foi
instituída a recepção de títulos e a conservação dos registros obrigatoriamente
em meio eletrônico (art. 1º, §§ 3º e 4º da LRP); a extração de certidões por
meio repográfico ou eletrônico e possibilidade de sua impressão pelo usuário
garantindo sua autenticidade (art. 19 da LRP).
No registro de
imóveis, a contagem de prazos para a emissão de certidões e alguns registros
também foram reduzidos, justamente pela facilidade de emissão em meio eletrônico
(art. 19 e art. 188 da LRP).
No RCPN,
igualmente houve uma priorização do meio digital para publicações e
comunicações (art. 56, caput e §3º da LRP). No casamento, a recepção de
documentos e a publicidade à habilitação deverão ocorrer agora em meio
eletrônico, além da celebração que poderá ser feita por videoconferência (art.
67 da LRP).
Até no Código
Civil criou-se a possibilidade do estabelecimento empresarial virtual (art.
1.142 do CC).
Mas, além de
ressaltar a utilização da tecnologia, a lei 14.382/2022, trouxe várias outras
novidades que com certeza vem sendo estudadas com carinho pelos juristas da
área: alterações sobre condomínio em edificações e as incorporações
imobiliárias; facilitação da mudança de prenome de sobrenome diretamente no
RCPN; inserção de Livros no RTD; alterações no procedimento de dúvida
registral; criação da adjudicação compulsória extrajudicial; mudanças na fraude
à execução e averbações da Lei nº 13.097/2015; entre muitas outras¹.
O CNJ, em seus
Provimentos, foi na mesma linha de utilização ampla da tecnologia. Em 2020 e
2021 já se tinha regulamentado a prática de vários atos notariais e registrais
à distância, com utilização do E-Notariado, certificado digital, entre outros.
Em 2022, os Provimentos relevantes para o extrajudicial seguiram esse viés.
O Provimento nº
127 regulamentou o SIPE (Sistema integrado de pagamentos eletrônicos) para os
serviços notariais e registrais e o Provimento nº 134 estabeleceu medidas a
serem adotadas pelas serventias extrajudiciais em âmbito nacional para o
processo de adequação à Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais, medida
imprescindível com o incremento de armazenamento e circulação de informações
nos sistemas eletrônicos das serventias.
Dentre as demais
legislações, não se pode esquecer da lei 14.309, que alterou o Código
Civil e a lei 13.019/2014 para permitir a realização de reuniões e deliberações
virtuais pelas organizações da sociedade civil, assim como pelos condomínios
edilícios, e para possibilitar a sessão permanente das assembleias condominiais
(arts. 1.353 e 1.354-A do CC).
A
lei 14.405, que alterou o Código Civil para tornar exigível, em
condomínios edilícios, a aprovação de 2/3 dos votos dos condôminos para a
mudança da destinação do edifício ou da unidade imobiliária, e a
lei 14.451, para modificar os quóruns de deliberação dos sócios da
sociedade limitada previstos nos arts. 1.061 e 1.076.
Por fim, deve-se
destacar a lei 14.398, que instituiu o documento de identidade de notários
e registradores e de escreventes de serventias extrajudiciais. A ideia é que o
documento siga o modelo de outros documentos profissionais, tais quais os
emitidos para advogados, médicos e jornalistas, a fim de valorizar a
categoria².
Agora,
aguardamos o ano de 2023 com mais novidades positivas na atividade notarial e
registral e a implementação do SERP.
Desejo a todos
um excelente fim de ano com muito estudo, foco e dedicação plena a aqueles que
trabalham no extrajudicial e/ouse preparam para os concursos de outorga de
delegação e que vem tornando a atividade notarial e registral um destaque na vida
da sociedade brasileira.
Sejam felizes!
__________
1 KÜMPEL, Vitor
Frederico (coordenador), Breves Comentários à Lei n. 14.382. YK, São
Paulo, 2022.
2 ANOREGBR,
Titulares e funcionários de cartório passam a ter documento de identidade
funcional, in ANOREGBR, disponível aqui [09 de dez de 2022].
Autores:
Vitor
Frederico Kümpel é
graduado e doutor em Direito pela Universidade de São Paulo (USP), onde também
é livre-docente em Direito Notarial e Registral. Atualmente é juiz de Direito
Titular II no Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo e professor da
Faculdade de Direito Damásio de Jesus.
Natália
Sóller é advogada.
Fonte: Migalhas