Ao longo dos últimos
dez anos, uma série de medidas, movidas no Congresso Nacional e em diferentes
instâncias do Judiciário, vem atuando na direção de facilitar o divórcio e, no
limite, atacar as famílias, além de descumprir fundamentos básicos da
Constituição. Algumas foram derrubadas, mas outras continuam aparecendo com
frequência. Neste momento, no Supremo Tribunal Federal (STF) e no Senado, estão
em análise mudanças na lei sobre a dissolução do casamento.
No Senado a mudança
proposta é de que o casamento seja dissolvido unilateralmente, sem necessidade
de recorrer a um juiz. Acontece que casamentos são relações de mão dupla,
reconhecidas por tal na legislação, como explica Regina Beatriz Tavares da
Silva, presidente da Associação de Direito de Família e das Sucessões (ADFAS).
“Desde a sua criação, em 2013, a ADFAS vem identificando tentativas de
banalizar a dissolução do casamento, por meio do chamado ‘divórcio
impositivo’”, ela relata
“O casamento é um
negócio jurídico bilateral, que estabelece comunhão plena de vidas conforme o
Código Civil, no artigo 1.511”, prossegue Regina Beatriz. A celebração do
casamento não pode ser levada a efeito sem a presença simultânea de ambos os
participantes, como estabelece o Código Civil, no artigo 1.535. E esta relação
produz vários efeitos pessoais e patrimoniais, obrigando o cônjuge ao
cumprimento de deveres, como estabelece o Código Civil, entre os quais a
assistência material e imaterial e o respeito e consideração, no art. 1.566”.
Ou seja, em termos
jurídicos, que reproduzem a importância das famílias para a sociedade, o
casamento pressupõe um compromisso de longo prazo, que envolve duas pessoas,
inicialmente, com a possibilidade de multiplicação com os filhos, gerando
deveres e direitos a novos cidadãos. Nesse contexto, iniciativas apresentadas
nos últimos anos gerariam insegurança jurídica para a instituição mais básica
da sociedade, afirma Regina Beatriz. “Não se pode admitir que o cônjuge, que
assumiu deveres pelo casamento, possa desfazer esse vínculo sem o consentimento
do outro consorte ou, na falta do consentimento, sem uma decisão judicial que
proteja os direitos do cônjuge mais vulnerável”.
Ataques ao casamento
O Projeto de Lei 3.457/2019, por exemplo, tramita no Senado e
prevê ampliar as hipóteses de divórcio, por meio de notificação extrajudicial.
A proposta está aberta à consulta pública. De autoria do senador Rodrigo
Pacheco (PSD-MG), o projeto propõe que um dos cônjuges possa requerer a
averbação de divórcio, por meio de mera notificação ao outro consorte,
diretamente no cartório de registro civil.
Iniciativas
semelhantes, recentes, já foram derrubadas por esforço da ADFAS. Em 2019, a
Corregedoria de Justiça do Estado de Pernambuco editou um provimento para
possibilitar o mesmo “divórcio impositivo”. A medida previa que um dos cônjuges
fosse ao Cartório de Registro Civil e mandasse notificar o outro cônjuge de que
estariam divorciados. Decisão semelhante foi publicada no Maranhão no mesmo
ano.
“Um ‘divórcio
surpresa’, era isto que se pretendia”, critica Regina Beatriz. “O notificado
estaria divorciado sem ter tempo de sequer pedir ao Poder Judiciário a proteção
de seus direitos, como uma pensão alimentícia para o seu sustento, incluindo a
manutenção de seu plano de saúde sendo o notificante o respectivo titular, ou a
permanência no domicílio conjugal se o imóvel pertencesse ao notificante”. Em
reação, a ADFAS apresentou ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ) os fundamentos
para que aqueles provimentos fossem revogados, o que aconteceu ainda em 2019.
Ataque à família
Caso aprovado o PL
3.457/2019, a medida reduziria de forma drástica a proteção às famílias, afirma
a presidente da ADFAS. “Um cônjuge que seja beneficiário do outro em plano ou
seguro de saúde, pode ter revogados esses benefícios num passe de mágica, já
que, com a averbação do divórcio na certidão de casamento, a empresa
empregadora do titular eliminará o dependente, inclusive porque os planos e
seguros de saúde não aceitam beneficiários ou dependentes divorciados”, ela
exemplifica.
Em última análise,
avalia Regina Beatriz, o objetivo final é fragilizar o casamento. “Sem a devida
reflexão diante de uma discussão do casal, que poderia ser superada no decorrer
do tempo, um dos cônjuges poderia desfazer o casamento por mera notificação
extrajudicial. Isto tem em vista destruir a família, por meio da fácil e rápida
dissolução do casamento”.
A ADFAS segue
monitorando, diz ela, tentativas de implementar com o chamado “divórcio
surpresa”. Já venceu uma iniciativa no CNJ e continua monitorando as propostas
que tramitam no Senado. “Esse movimento da exagerada rapidez do divórcio chegou
ao Poder Judiciário com algumas decisões contrárias aos princípios
constitucionais da ampla defesa e do contraditório, decretando o divórcio no
início da ação judicial, sem que o cônjuge demandado seja citado”, ela
descreve.
Outra matéria que
preocupa a ADFAS é a do tema de repercussão geral 1053, que prevê a eliminação
da separação, como instituto autônomo, o que desrespeita a liberdade de
exercício de direitos em razão da crença. Ele chegou a ser pautado para
julgamento no ano de 2022, mas foi retirado da pauta do STF e espera-se que
venha a ser novamente apresentado em 2023.
“Pelo projeto de lei
do 3.457/2019 do Senado, uma pessoa deixaria de ter o estado civil de casada,
sem saber que está divorciada, por simples notificação feita no Cartório de
Registro Civil. E ainda são poucas as decisões judiciais que decretam o
divórcio sem a citação do outro cônjuge, mas espera-se que não sirvam de
paradigmas para outras sentenças, porque um juiz de direito deve proteger e
tutelar direitos e não desproteger os jurisdicionados”, finaliza Regina
Beatriz.
A ADFAS segue monitorando,
diz ela, tentativas de implementar o chamado “divórcio surpresa”. Já venceu as
iniciativas do divórcio por notificação no registro civil, por meio de decisão
do CNJ, e continua acompanhando as propostas que tramitam no Senado.
Fonte: Gazeta do Povo