É possível concluir que a blockchain,
inicialmente utilizada para a efetivação de operações financeiras virtuais, tem
se difundido no cenário nacional com uma maior amplitude, revelando utilidade
para várias outras funcionalidades, inclusive no âmbito jurídico.
Nosso momento histórico é notadamente
marcado pelas profundas mudanças causadas pela inserção da tecnologia no
cotidiano social, ainda mais após a pandemia do COVID-19, que acelerou o ritmo
das transformações, tornando nossa vida mais dependente dos meios tecnológicos.
Não há uma área do conhecimento sequer
que não tenha sido modificada, de alguma forma, no mundo digital. A isto se
denomina "Indústria 4.0" ou "Quarta Revolução Industrial".
O Direito não é uma exceção a esta regra, pois o fundamento de sua existência
está intrinsicamente relacionado ao arranjo social.
Neste contexto, é evidente que o
desenvolvimento de novas tecnologias implicaria, invariavelmente, em alterações
substanciais no meio forense. Estas mudanças, nas palavras de José Miguel
Garcia Medina e Lucas Pagani, devem ter duas diretrizes convergentes: a
segurança jurídica e a efetividade da tutela jurisdicional.[1]
Isto posto, dentre as diversas
inovações tecnológicas, uma que se apresenta de forma recente e disruptiva é a
blockchain, que, inicialmente, foi utilizada para o desenvolvimento de operações
financeiras e, atualmente, possui uma abrangência maior. Esta tecnologia está
intimamente relacionada com o surgimento das criptomoedas, tendo em vista que
as transações de valores realizadas têm sua operacionalização registradas em
blockchain.
No contexto apresentado, a compreensão
das características e as funcionalidades desta tecnologia é fundamental. A
blockchain é um banco de dados descentralizado e criptografado que pode ser
acessado por meio da internet.[2] Em tradução livre, seu significado é uma
"cadeia de blocos", ou seja, são blocos de dados registrados em
cadeia e armazenados num local específico com acesso limitado para quem possui
o respectivo código.
O procedimento da blockchain se
caracteriza pela descentralização, consentimento e imutabilidade, haja vista
que é constituído por uma rede colaborativa formada por diversos computadores
que anuem com os termos ali contidos, sem a presença de intermediários e,
ainda, impossibilitando eventuais modificações após o fechamento do bloco.
A blockchain é capaz de produzir maior
confiabilidade e previsibilidade para os negócios jurídicos, tanto na esfera do
Direito Privado quanto do Direito Público, podendo-se citar, a título de
exemplo, a execução de smart contracts, a certificação de provas ou até mesmo a
utilização do mecanismo por cartórios notariais para substituir documentos
físicos.
No que se refere aos smart contracts -
"contratos inteligentes" -, estes são executados de forma automática,
sem que haja necessidade da intervenção humana após sua elaboração, sendo a
parte de validação e armazenamento realizada por meio da blockchain. A sua
utilização elimina a necessidade de intermediação das operações, o que gera
maior segurança e celeridade para os negócios, além de diminuir os custos envolvidos.
Diante das funcionalidades acima
descritas, a utilização da tecnologia blockchain pode ser uma importante
ferramenta aliada à produção de provas. A esse respeito, conforme a
inteligência do artigo 369 do Código de Processo Civil, faculta-se às partes a
produção de provas por quaisquer meios legais e moralmente legítimos, ainda que
não estejam especificados na legislação processual. Com efeito, dispõe o artigo
440 do mesmo diploma legal que cabe ao juiz apreciar as provas produzidas em
meio eletrônico. Compreende-se da interpretação do texto de lei pela
inexistência de disposição expressa que inviabilize a utilização da blockchain.
No que se refere à jurisprudência,
pode-se extrair do julgado do Agravo de Instrumento do Tribunal de Justiça do
Estado de São Paulo (autos 2237253-77.2018.8.26.0000), um exemplo de
participação da tecnologia blockchain em processos judiciais.[3]
Na lide em comento, o Agravante
requereu tutela antecipada para que fossem retiradas informações das redes
sociais que seriam inverídicas e estariam prejudicando sua imagem, tendo
providenciado a certificação do conteúdo via blockchain para comprovar a
existência fidedigna das publicações feitas pelo Agravado.
O pedido foi julgado improcedente,
tendo a Exma. Desembargadora Relatora Fernanda Gomes Camacho entendido que tal
requerimento era uma afronta à liberdade de expressão do indivíduo e
caracterizaria censura. Um dos fundamentos usados na decisão para indeferir a
pretensão de abstenção de comunicação de terceiros foi o fato de o próprio
Agravante já ter providenciado a conservação do conteúdo através de plataforma
blockchain.
Já existem empresas que fornecem
serviços de autenticação de contratos digitais e certificação de documentos
digitais via blockchain, emitindo o respectivo certificado de que os dados
foram inseridos com a conservação de sua integridade, bem como de que são
passíveis de verificação posterior.
Somadas às aplicabilidades
anteriormente descritas, é possível constatar a utilização da tecnologia na
seara notarial[4], como se verifica na parceria formalizada entre o Cartório
Azevedo Bastos e uma empresa startup que fornece serviços de autenticação
digital, realizando registros de nascimento armazenados em blockchain.
O Conselho Nacional de Justiça (CNJ),
por meio do Provimento 100/20, permitiu a geração de atos extrajudiciais via
sistema E-notariado, como uma forma alternativa que se mostrou oportuna durante
o enfrentamento da pandemia do COVID-19. O Brasil é o primeiro país da América
Latina a viabilizar este procedimento, que, segundo a presidente do Colégio
Notarial do Brasil, Giselle Oliveira de Barros, permite ao usuário agregar
segurança jurídica ao manuseio de documentos eletrônicos.[5]
A aplicabilidade da ferramenta no
sistema notarial foi possível pela congruência entre os princípios que norteiam
a função notarial no Brasil e a blockchain, já que a lei de Registros Públicos
- lei 6.015/73 e a lei dos Cartórios - lei 8.935/94 adotam como fundamentos a
publicidade, a autenticidade, a segurança e a eficácia, todos alinhados com as
características desta tecnologia que presta confiabilidade e previsibilidade.
Ante todo o exposto, é possível
concluir que a blockchain, inicialmente utilizada para a efetivação de
operações financeiras virtuais, tem se difundido no cenário nacional com uma
maior amplitude, revelando utilidade para várias outras funcionalidades,
inclusive no âmbito jurídico.
Além de garantir a autenticidade e integridade de elementos probatórios obtidos em plataformas virtuais, ampliou significativamente o direito constitucional de acesso à prova para as partes envolvidas. Tal instrumento elimina a presença de intermediários e aumenta a segurança dos negócios jurídicos. Estes fatores contribuem para a redução do custo envolvido bem como tendem a trazer uma maior celeridade operacional, o que otimiza algo de muita relevância na sociedade contemporânea: o tempo.
Por Bruno Andrioli
Fonte: Migalhas