O Brasil foi pioneiro na implantação
dos atos notariais eletrônicos, tornando-se referência para muitos outros
países, graças ao incansável trabalho do Colégio Notarial do Brasil e do
Conselho Nacional de Justiça.
Com a entrada em vigor do Provimento nº
100, do Conselho Nacional de Justiça, em 26 de maio de 2020, foi autorizada a
prática de atos notariais eletrônicos em todos os Tabelionatos de Notas do
país, por meio da plataforma do e-Notariado, que foi implementada e é mantida
pelo Colégio Notarial do Brasil - Conselho Federal. Desde então, a modalidade
eletrônica tem sido cada vez mais utilizada pela sociedade, uma vez que
facilita sobremaneira a vida dos usuários, que não precisam se deslocar
fisicamente até o Cartório sua confiança.
Em síntese, os atos notariais
eletrônicos são feitos por meio de videoconferência, que é obrigatoriamente
realizada dentro da plataforma do e-Notariado, onde se faz a leitura para as
partes, análise da capacidade e a confirmação se estão de pleno acordo com o
conteúdo do ato notarial ali apresentado. Somente após a confirmação de todos
os participantes do ato, é que eles irão assinar de forma eletrônica, por meio
de certificado digital. O procedimento é bem simples e os Cartórios estão
preparados para auxiliar os usuários na utilização da plataforma, motivo pelo
qual sua utilização está cada vez mais frequente.
Os atos notariais eletrônicos possuem a
mesma segurança jurídica dos atos lavrados de forma presencial, eis que
garantem a identidade, a capacidade e a livre manifestação de vontade das
partes pela videoconferência e assinatura eletrônica, por meio de certificado
digital. Conforme concluiu a União Internacional do Notariado - UINL, nas
Diretrizes para a celebração de escrituras notariais à distância, a escritura
pública eletrônica não modifica em nada as qualidades da escritura pública
feita em papel. Apenas é uma modalidade distinta que permite a comunicação à
distância com as partes solicitantes. De acordo com a UINL, o importante não é
a presença física perante o notário, mas o comparecimento direto com o notário
responsável pelo ato eletrônico, mesmo por uma plataforma tecnológica.
Em princípio, todos os atos de
competência do tabelião de notas podem ser feitos de forma eletrônica, pela
plataforma do e-Notariado. Entretanto, um deles, o testamento público, um dos
atos mais solenes do direito brasileiro, gera polêmicas quando o assunto é sua
lavratura de forma on-line.
Neste breve artigo, analisaremos,
portanto, ainda que de forma resumida, a possiblidade de realização de
testamento público de forma eletrônica, e quais seriam as regras de competência
territorial mais justas a serem aplicadas ao caso.
A realização de testamento público por
meio eletrônico foi alvo, inicialmente, de alguns debates, e isso se deu ao
fato de não ter sido mencionada a palavra "testamento" no Provimento
n° 100, do CNJ. Sendo o testamento, conforme já mencionado, um dos atos
mais solenes realizados pelo notário, contendo regras específicas, a falta de
menção expressa deixou dúvidas se houve ou não permissão para a lavratura do
ato de forma eletrônica.
Porém, com o passar do tempo, o entendimento
que predominou é que o fato de não ter sido mencionada a palavra
"testamento", no Provimento n° 100, não significa que a sua lavratura
de forma eletrônica não estivesse autorizada, visto que o Provimento
regulamenta a possibilidade de realização de todos os atos notariais, e o
testamento público é um deles. Por ser o testamento um ato notarial, e não ter
sido feita nenhuma exceção a ele, entendeu-se como sendo possível sua
realização por meio eletrônico, da mesma forma que inventários, divórcios e partilhas,
que também não são expressamente mencionados no Provimento.
Afinal, se a grande motivação para
possibilitar a realização de atos notariais eletrônicos foi a pandemia que,
infelizmente, atingiu toda nossa população, como deixar de fora a possiblidade
de realizar o testamento público, que talvez seria o ato notarial que mais
precisasse desse respaldo? Diante da possibilidade de realização de atos
notariais eletrônicos, não seria lógico alguém que estivesse doente, ou somente
com receio de contrair a doença, e quisesse realizar um testamento público para
deixar registrada sua última vontade, tivesse que ir ao tabelionato
presencialmente.
Outro ponto muito importante, analisado
em favor da possibilidade do testamento on-line, foi o fato de que os atos notariais
eletrônicos possuem a mesma segurança dos atos feitos de forma presencial:
mesmo por meio eletrônico, todas as regras próprias e formalidades do
testamento são facilmente cumpridas, uma vez que, com uma videoconferência una,
testemunhas e testador estarão ao mesmo tempo perante o notário, que irá
conferir a capacidade, a identidade e a livre manifestação de vontade do
testador. Assim como na reunião presencial, na videoconferência, o contato
entre a parte e o notário, neste caso entre o testador e o notário, também é
realizado "face to face", apenas o meio é diferente, pois são usados
processos digitais.
Assim, pode-se concluir que, por meio
eletrônico, é possível manter toda a segurança inerente ao ato, assim como
ocorre no meio físico.
Em relação à competência territorial
para a prática do testamento eletrônico, antes de adentrarmos nas três
correntes que se formaram sobre o tema, é importante dizer que o Provimento n°
100, do CNJ, estabeleceu competência territorial para a prática dos atos notariais
eletrônicos com o objetivo precípuo de evitar concorrência predatória entre os
tabelionatos de notas do país, já que o ato eletrônico não possui barreiras
geográficas e há diferença grande no valor dos emolumentos praticados pelo
Estados Brasileiros, que possuem tabelas de emolumentos próprias.
No Brasil, a lei prevê que é livre a
escolha do tabelião de notas pelas partes (art. 8º, da lei Federal 8.935/94).
Contudo, o tabelião não pode praticar atos fora da circunscrição para a qual
recebeu a delegação (art. 9º da mesma Lei). Assim, ao que tudo indica, o
Provimento n° 100, buscando a profilaxia do ato notarial eletrônico, combinou
as regras de competência previstas nestes dois artigos, de modo que, quando se
fala em atos eletrônicos, estes artigos devem ser lidos conjuntamente: é livre
a escolha do tabelião dentro da competência (municipal ou estadual) para o qual
este recebeu a delegação.
Neste cenário, compatibilizando o
sistema com a jurisdição territorial, o Provimento n° 100, nos artigos 19 e 20,
adotou o Município e o Estado do domicílio das partes e o local do imóvel como
critérios básicos de competência territorial para a prática dos atos notariais
eletrônicos.
Tendo isto em mente, vamos às três
correntes que se formaram em relação à competência territorial para a prática
do testamento público on-line:
1º) Corrente Restritiva: O Tabelionato
competente para lavrar o Testamento Público por meio eletrônico será o do
domicílio do Testador.
2º) Corrente Moderada: O Testador
poderá escolher qualquer Tabelionato de sua confiança, desde que dentro do
Estado onde tem seu domicílio.
3º) Corrente Liberal: O Testador poderá
escolher o Tabelionato de Notas de sua confiança no Brasil, independentemente
do seu domicílio.
A primeira corrente adota um dos critérios
básicos de competência territorial eleitos pelo Provimento n° 100, o domicílio
da parte, no caso, o domicílio do testador.
Já a terceira corrente entende que, na
falta de regra específica no Provimento n° 100 sobre a competência territorial
para a prática do testamento eletrônico, deve-se seguir a regra legal existente
no artigo 8º, da lei Federal 8.935/94, sendo livre a escolha do notário pelo
testador, independentemente de seu domicílio. Isto porque, em tese, não se deve
ampliar o alcance de uma norma restritiva. Se o Provimento n° 100 não
estabeleceu expressamente competência para o testamento, é porque não quis
fazê-lo, aplicando-se, como consequência, o princípio da livre escolha previsto
na lei Federal 8.935/94.
Além disto, por ser o testamento um ato
tão solene e confidente, um ato de última vontade em que a confiança da parte
no notário é ainda mais relevante que em outros atos notariais, o testador
deveria ter essa liberdade preservada. E, se analisarmos de modo mais profundo,
o testamento não parece ser um ato que geraria concorrência predatória, pois,
por todo o contexto que envolve esse ato, e, também, pela forma de cobrança dos
emolumentos correspondentes em todos os Estados, certamente o testador não irá
se preocupar mais com o valor do que o conteúdo e tudo que ele significa.
A primeira corrente parece limitar ao
extremo a competência territorial, fazendo com que o testador não tenha escolha
alguma, sendo forçado a fazer o seu testamento on-line no tabelionato de seu
domicílio. Tal corrente não nos parece a mais acertada por dois motivos: I)
muitas pessoas preferem fazer seus testamentos em cidades distintas de sua
residência para evitar especulações sobre o documento; e, II) alguns cartórios
ainda não aderiram ao e-Notariado, o que prejudica as pessoas que querem ou
precisam fazer seu testamento de forma on-line, mas são privadas desta
possibilidade em razão de não existir tabelionato habilitado em seu domicílio.
A terceira corrente, por sua vez, que
deixa completamente livre a escolha, acaba por esbarrar na preocupação do Conselho
Nacional de Justiça em relação à prevenção de concorrência desleal ou
predatória e todas as consequências danosas que esta acaba surtindo.
Assim, parece-nos que a imposição de um
limite, por mínimo que seja, de competência territorial, seria algo a evitar
problemas futuros, não retirando totalmente a liberdade de escolha do testador.
Mas então qual seria a regra de
competência mais justa diante deste cenário?
Eis que chegamos na segunda corrente,
no caminho do meio, a Corrente Moderada.
A segunda corrente defende que o
testador pode escolher qualquer Tabelionato de sua confiança, desde que dentro
do Estado onde tem seu domicílio.
Tal corrente parece combinar, como numa
sinfonia harmoniosa, a liberdade de escolha tão importante no testamento - para
preservar a confiança do testador no notário e a confiança do testador no
sigilo do documento - com a preocupação com a concorrência predatória, já que
dentro do mesmo Estado, o testamento público tem o mesmo valor,
independentemente do Município onde for lavrado.
Desse modo, concluímos que a regra de
competência menos gravosa ao Testador e que vai ao encontro do nosso
ordenamento jurídico, sem ferir o Provimento n° 100, tampouco a lei Federal
8.935/94, seria justamente esta segunda corrente: a livre escolha do notário de
confiança do testador, desde que dentro do Estado em que tem seu domicílio.
Este entendimento traz uma ampla possibilidade de escolha, mas com um limite
mínimo que visa somente coibir problemas futuros no notariado, para que este
possa continuar obtendo sucesso perante a sociedade, e cada vez mais possa
evoluir, facilitando a vida de todos e mantendo a segurança jurídica de sempre.
Assim entendemos, respeitando as
opiniões contrárias.
Arthur Del Guércio Neto: Tabelião de Notas e Protestos em
Itaquaquecetuba. Especialista em Direito Notarial e Registral. Especialista em
Formação de Professores para a Educação Superior Jurídica. Escritor e Autor de
Livros. Palestrante e Professor em diversas instituições, tratando de temas
voltados ao Direito Notarial e Registral. Coordenador do Blog do DG.
Carolina Edith Mosmann dos Santos: Advogada e Pesquisadora Jurídica.
Ex-escrevente do 1º Tabelionato de Notas e Protesto de Novo Hamburgo/RS.
Pós-graduanda em Direito Notarial e Registral pela Universidade Federal do
Maranhão - UFMA. Pós-graduada em Direito de Família e Sucessões pelo Instituto
Damásio de Direito. Graduada em Direito pela Universidade do Rio dos Sinos -
Unisinos. Aderente Individual da União Internacional do Notariado - UNIL.
Associada do Instituto Brasileiro de Direito de Família - IBDFAM.
João Francisco Massoneto Junior: Especializando em Direito Notarial e
Registral pela USP - Ribeirão Preto (2019). Especialista em Direito Notarial e
Registral, com formação para o magistério superior pela Universidade Anhanguera
- Uniderp (2012). Especialista em Direito Ambiental pela Universidade Norte do
Paraná - UNOPAR (2010).
Fonte: Migalhas