Esse questionamento não foi respondido
pela 3ª Turma do STJ ao julgar o REsp 1.916.031/MG, no qual a companheira de um
homem casado — e que manteve com ela e com a esposa relacionamentos
simultâneos, com filhos, de 1986 a 2014 —, pretendia o reconhecimento e a
dissolução da união estável paralela ao casamento, bem como a realização de
partilha no formato de triação (e não de meação) [1].
A questão é tão polêmica que a
sentença, atenta às peculiaridades do caso concreto, reconheceu a união estável
paralela e determinou a partilha de bens no formato de triação; o TJ-MG, por
sua vez, reformou a sentença para julgar improcedente a ação; e o STJ deu
parcial provimento ao recurso da companheira para reconhecer — como sociedade
de fato — regida pelo direito obrigacional, o tempo em que o homem casado
conviveu simultaneamente com a companheira, acaso preenchidos os requisitos da
Súmula 380/STF.
O STJ, qualificando a relação com a
companheira como concubinato impuro, afirma ser inadmissível o reconhecimento
de união estável concomitante ao casamento, na medida em que àquela pressupõe a
ausência de impedimentos para o casamento ou, ao menos, a existência de
separação de fato (artigo 1.723, §1º, do CC/2002).
Concluiu que, tendo em vista estar
provado o concubinado impuro mantido entre as partes por 25 anos, esse
equipara-se à sociedade de fato e, de conseguinte, gera repercussão patrimonial
(partilha) a ser apurada em liquidação de sentença.
Invocando, inclusive, entendimento do
STF no sentido de que o ordenamento jurídico-constitucional brasileiro consagra
o dever de fidelidade e da monogamia (RE 1.045.237/SE, Pleno, DJe 09.04.2021),
o julgado perde a oportunidade de avançar e contemplar a peculiar situação a
partir de uma visão mais ampla e realista das relações familiares na
atualidade.
Questiona-se: Como invocar deveres de
fidelidade e monogamia quando o casal e a companheira tinham ciência da
concomitância das relações, inclusive com constituição de duas famílias, com
filhos dentro do casamento e da união estável?
Com a devida vênia, o STJ atribuiu uma
solução jurídica que só se adequa às situações ideais. Todavia, não soluciona —
com justiça — situações reais, em que não há apenas a concomitância de união
estável com casamento, mas, também, a concomitância de famílias (famílias
paralelas/simultâneas) que, em igualdade, também merecem a proteção
constitucional.
Há que se ponderar, inclusive, face à
duração das relações paralelas por 25 anos, se a esposa não se
beneficiou, de alguma forma, do esforço despendido pela companheira do
marido na construção do patrimônio de ambas as famílias.
Entende-se que, em casos como o julgado pelo STJ, não admitir a triação, mas sim, determinar que eventual partilha seja feita no âmbito do direito obrigacional — tratando a relação familiar paralela como sociedade de fato —, além de ser nefasto retorno ao raciocínio fortemente machista e patriarcal aplicado pelos tribunais na década de 80 às denominadas "relações clandestinas", viola a especial proteção constitucional que o Estado deve garantir à família (seja ela decorrente do casamento ou de união estável paralela ao casamento).
Fabiano Cotta de Mello é advogado, professor universitário e
mestre em Direito pela Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT). Foi assessor
técnico jurídico do TJ-RS e do TJ-MT.
Fonte: ConJur