Documentos expressam
as vontades de quem não tem condições de tomar decisões sobre tratamentos para
doenças em estágio terminal
"Entendo que a morte
é um fato de vida e eu aceito o fim. Porém, não desejo sofrer nos momentos
finais da minha vida e prefiro estar junto aos meus familiares." É assim
que começa o testamento vital da engenheira civil paulistana Cláudia Baggio,
54.
A criação de
testamentos vitais, como são conhecidas as DAVs (Diretivas Antecipadas de
Vontade), cresceu 235% em nove anos, passando de 233, em 2012, para 781, em
2021.
Nesse documento, a
pessoa expressa quais são as suas vontades caso venha a se encontrar
impossibilitada de tomar decisões sobre tratamentos médicos para doenças em
estágio terminal ou sem perspectiva de cura —é nele, por exemplo, que alguém
pode pedir para não ser ressuscitado em caso fique em estado vegetativo, por
exemplo.
O estado de São Paulo
é o que mais teve DAVs lavradas, passando de 62 em 2012 para 586 em 2021, uma
alta de 845%. O levantamento foi feito pela seção de São Paulo do Colégio
Notarial do Brasil.
Os testamentos vitais
existem no país desde 2012, quando o CFM (Conselho Federal de Medicina)
publicou uma resolução que detalha o funcionamento desses documentos e como
deve ser a atuação dos médicos.
O testamento vital de
Baggio, feito em 2021, cita a recusa a ressuscitação cardiopulmonar e a
respiração artificial, entre outros procedimentos médicos, caso a engenheira
tenha diagnóstico de estágio avançado e irreversível de doença terminal e
demência, enfermidade degenerativa do sistema nervoso muscular e estado
vegetativo persistente em que houver certeza médica de irreversibilidade.
Ela decidiu fazer um
testamento vital após acompanhar a evolução da doença autoimune do pai por
cerca de dois anos.
"Eu sempre fui
muito independente e me causa um pouco de preocupação ter limitações. Decidi
que gostaria de ter um documento que me resguardasse. Então busquei uma
advogada", afirma.
A engenheira diz que
não deseja impor ao filho e ao marido decisões difíceis em um eventual momento
doloroso para a família.
Responsável por
auxiliar Baggio na criação do documento, a advogada Claudineia Johnsson orienta
seus clientes a procurarem médicos que possam tirar dúvidas sobre quais
tratamentos incluir em seu testamento vital.
Isso é importante,
diz ela, para evitar que a anulação de um ou mais desejos do paciente por causa
de erro na redação. Isso porque médicos não são obrigados a cumprir vontades
que violem o Código de Ética Médica, por exemplo.
O testamento vital
pode ser feito em cartórios de notas ou de maneira particular, com auxílio de
advogados. Menores de 18 anos não poder fazer o documento.
Em São Paulo, fazer
um testamento vital em um cartório de notas custa R$ 512. Já Johnsson cobra de
R$ 800 a R$ 1.800 em honorários, além dos valores do cartório. O de Baggio
custou R$ 1.200.
A pessoa que faz um
testamento vital pode nomear um representante legal para fazer cumprir as suas
vontades, que deve ser citado no documento. Uma vez feita uma DAV, a família é
obrigada a seguir o que aponta o texto e não pode ignorá-lo. É possível, porém,
contestá-lo judicialmente.
Esse tipo de processo
que envolve questões de saúde costuma tramitar em regime de urgência, segundo
Andrey Guimarães Duarte, vice-presidente do Colégio Notarial do Brasil, seção
São Paulo.
"Se durante, o
trâmite do processo, houver uma discordância entre e família e uma DAV de um
paciente que não autoriza, por exemplo, a transfusão de sangue, provavelmente
prevalecerá a vida e, portanto, a transfusão será feita", explica.
A advogada e
pesquisadora que administra o site Testamento Vital, Luciana Dadalto, diz que
se a vontade de uma pessoa respeitar a legislação brasileira, ela deve ser
cumprida. "Não há que se falar em questionamento nem mesmo por parte de
profissionais de saúde."
Apesar do
crescimento, ela considera que o número de DAVs feitos no Brasil ainda é baixo
devido. Aponta ainda que parte desse aumento foi causado pela pandemia de
Covid-19. Em 2021, a criação do documento registrou um aumento de 41% em
relação a 2020.
"Nós sabemos que
vamos morrer, mas não pensamos muito sobre isso. A pandemia trouxe essa
realidade de uma maneira brutal e tivemos que lidar com isso. Começamos a
pensar melhor sobre até onde as pessoas precisam ir para tentar nos
salvar", diz Johnsson.
Fonte: Folha de S.Paulo