A
Medida Provisória 1.085 foi publicada no Diário Oficial da União no dia
28/12/2021, dispondo sobre o Sistema Eletrônico dos Registros Públicos - SERP e
alterando várias leis, entre elas a Lei de Registros Públicos - lei 6.015/73.
O
escopo deste texto é tratar de um dos temas que foi objeto de alteração na Lei
de Registros Públicos: as certidões, mais especificamente, as certidões
exigidas para lavratura de escrituras públicas relativas a imóveis.
Antes
de examinar a nova redação dada ao artigo da Lei de Registros Públicos pela
Medida Provisória e para melhor contextualizar o problema, destaca-se que os
requisitos legais para lavratura de escrituras públicas encontram-se nos
artigos 215 do Código Civil, e 1º da lei 7.433, de 18/12/1985, dispondo este:
"Na lavratura de atos notariais, inclusive os
relativos a imóveis, além dos documentos de identificação das partes, somente
serão apresentados os documentos expressamente determinados nesta Lei.
(...)
§2º O Tabelião consignará no ato
notarial a apresentação do documento comprobatório do pagamento do Imposto de
Transmissão inter vivos, as certidões fiscais e as certidões de propriedade e
de ônus reais, ficando dispensada sua transcrição."
A
redação atual foi dada pela lei 13.097, de 19/01/2015, e, como se observa,
determina que sejam apresentados ao tabelião de notas os seguintes documentos:
comprovante de pagamento do imposto de transmissão, certidões fiscais,
certidões de propriedade e de ônus reais. Observa-se que o texto legal refere
"certidões", no plural. Na prática, em razão disso, os registradores
de imóveis expedem uma certidão de propriedade, contendo os dados de
identificação do imóvel e as informações de registros e averbações a ele
referentes, e uma outra certidão contendo a descrição dos ônus reais que recaem
sobre o imóvel ou a inexistência deles.
Como
mencionado, o artigo 11 da Medida Provisória 1.085/21 trouxe alterações na Lei
de Registros Públicos, e uma delas é a nova redação do artigo 19, que trata das
certidões em seus doze parágrafos. Interessa para análise aqui proposta o
disposto no parágrafo onze:
Art.
11. A lei 6.015, de 1973, passa a vigorar com as seguintes alterações:
"Art. 19.
...............................................................................................................
(...)
§ 11. No âmbito do registro de imóveis, a certidão
de inteiro teor da matrícula contém a reprodução de todo seu conteúdo e é
suficiente para fins de comprovação de propriedade, direitos, ônus reais e
restrições sobre o imóvel, independentemente de certificação específica pelo
oficial.
O
texto prevê que uma única certidão, a de inteiro teor da matrícula, é
suficiente para comprovar a propriedade, os direitos, ônus e restrições sobre o
imóvel, dispensando, com isso, a apresentação de duas certidões distintas, como
previsto na lei ordinária.
Diante
da incompatibilidade dos textos normativos, o problema que surge é: a Medida
Provisória 1.085/21 revogou a parte final do parágrafo segundo, do artigo 1º,
da lei 7.433/85? Ou, com a vigência da Medida Provisória 1.085/21 a
apresentação de "certidões" de propriedade e de ônus reais como
requisito para lavratura de escritura pública foi superada ou permanece
inalterada?
A
resposta para essas perguntas demanda um exame da eficácia das medidas
provisórias.
As
medidas provisórias são normas com força de lei, equiparando-se à lei
ordinária, desde que assim convertida pelo Congresso Nacional. Uma vez editada
a medida provisória, seus efeitos são imediatos e de duas naturezas: (i)
alteração imediata do ordenamento jurídico, e (ii) instauração do respectivo
processo legislativo. De acordo com os ensinamentos de Guilherme Peña de
Moraes(1) a medida provisória é simbolizada como ato normativo primário, do
Presidente da República, no caso de relevância e urgência, submetido à
deliberação do Congresso Nacional, que perde a eficácia se não for convertida
em lei no prazo de 60 dias(2), podendo este prazo ser prorrogado uma vez por
igual período. Então, além de ser uma norma com eficácia imediata e temporária,
constitui-se como projeto de lei de iniciativa do Poder Executivo que poderá
ter dois desfechos: a conversão em lei ou a rejeição.
No
que diz respeito à eficácia quando houver incompatibilidade com norma até então
vigente, como acontece com a Medida Provisória 1.085/21 em relação ao art. 1º,
§2º, parte final, da lei 7.433/85, a doutrina não é unânime.
Para
Hugo de Brito Machado(3), o que ocorre nesta hipótese é que as normas
incompatíveis ficam revogadas condicionalmente. Ele explica que a revogação
fica subordinada à condição resolutiva, que consiste na conversão da medida
provisória em lei. Não ocorrida a condição, ou seja, caso a medida provisória
não seja convertida em lei, a revogação deixa de existir, "tal como se uma
nova lei houvesse revogado a medida provisória". Por outro lado, o
entendimento do Pleno do STF(4) é de que a medida provisória não revoga lei anterior,
apenas suspende seus efeitos no ordenamento jurídico, diante de seu caráter
transitório e precário. A revogação propriamente, só ocorrerá no caso de a
medida provisória ser convertida em lei ordinária. Assim, durante a vigência
temporária da medida provisória o efeito é a suspensão da eficácia dos atos
legislativos incompatíveis com o texto dela.
Independentemente
do posicionamento adotado, é inequívoco que durante a sua vigência, prevalecerá
o disposto na medida provisória, ainda que o texto seja incompatível com outra
disposição anterior, prevista em lei ordinária, como no presente caso.
Portanto, conclui-se que, enquanto viger a Medida Provisória 1.085/21, a
certidão de inteiro teor expedida pelo registrador de imóveis é o documento
suficiente para a lavratura de escritura pública, juntamente com o comprovante
de pagamento do imposto de transmissão e das certidões fiscais, preceito a ser
observado pelos notários e registradores no exercício de seu mister.
Dito
isso, outra questão relevante diz com a disciplina das relações jurídicas
decorrentes da medida provisória quando: (i) o prazo de vigência finalizar sem
conclusão pelas duas Casas do Congresso Nacional; (ii) no caso de ser aprovado
projeto de lei com redação diversa da proposta pela Comissão Mista em seu
parecer; (iii) se a medida provisória for rejeitada. Em qualquer um desses
casos a Comissão Mista se reunirá para elaboração de projeto de decreto
legislativo para disciplinar as relações jurídicas decorrentes de sua
vigência(5). Por fim, não editado o decreto legislativo no prazo de até 60 dias
após a rejeição ou a perda da eficácia, as relações jurídicas constituídas e
decorrentes de atos praticados durante a vigência da medida provisória
conservar-se-ão por ela regidas(6).
Com
isso, as escrituras públicas lavradas durante a vigência da Medida Provisória,
observados os demais requisitos legais e a apresentação da certidão de inteiro
teor, serão válidas e eficazes.
_______________
1
MORAES, Guilherme Peña de. Curso de Direito Constitucional, 12 ed., São Paulo:
Atlas, 2020, p. 515.
2
Art. 62. Em caso de relevância e urgência, o Presidente da República poderá
adotar medidas provisórias, com força de lei, devendo submetê-las de imediato
ao Congresso Nacional.
(...)
§
3º As medidas provisórias, ressalvado o disposto nos §§ 11 e 12 perderão
eficácia, desde a edição, se não forem convertidas em lei no prazo de sessenta
dias, prorrogável, nos termos do § 7º, uma vez por igual período, devendo o
Congresso Nacional disciplinar, por decreto legislativo, as relações jurídicas
delas decorrentes. BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição da
República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Presidência da República,
1988. Disponível em: https://bitlybr.com/Sa8V. Acesso em: 15.03.2022
3
MACHADO, Hugo de Brito. Efeitos de Medida Provisória Rejeitada in Revista dos
Tribunais, nº 700, 1994, p. 46.
4
ADIn 5.709, Tribunal Pleno, Rela. Min. Rose Weber, j. 27.3.2019, DJe 28.6.2019.
Disponível aqui. Acesso em: 15.03.2022.
5
Art. 11. Finalizado o prazo de vigência da Medida Provisória, inclusive o seu
prazo de prorrogação, sem a conclusão da votação pelas 2 (duas) Casas do
Congresso Nacional, ou aprovado projeto de lei de conversão com redação
diferente da proposta pela Comissão Mista em seu parecer, ou ainda se a Medida
Provisória for rejeitada, a Comissão Mista reunir-se-á para elaborar projeto de
decreto legislativo que discipline as relações jurídicas decorrentes da
vigência de Medida Provisória.
§
1º Caso a Comissão Mista ou o relator designado não apresente projeto de
decreto legislativo regulando as relações jurídicas decorrentes de Medida
Provisória não apreciada, modificada ou rejeitada no prazo de 15 (quinze) dias,
contado da decisão ou perda de sua vigência, poderá qualquer Deputado ou
Senador oferecê-lo perante sua Casa respectiva, que o submeterá à Comissão
Mista, para que esta apresente o parecer correspondente.
§
2º Não editado o decreto legislativo até 60 (sessenta) dias após a rejeição ou
a perda de eficácia de Medida Provisória, as relações jurídicas constituídas e
decorrentes de atos praticados durante sua vigência conservar-se-ão por ela
regidas.
§
3º A Comissão Mista somente será extinta após a publicação do decreto
legislativo ou o transcurso do prazo de que trata o § 2º. BRASIL. [Resolução 1,
de 2002 - CN]. Disponível aqui. Acesso em 15.03.2022
6
Art. 62. (...)
§
3º As medidas provisórias, ressalvado o disposto nos §§ 11 e 12 perderão
eficácia, desde a edição, se não forem convertidas em lei no prazo de sessenta
dias, prorrogável, nos termos do § 7º, uma vez por igual período, devendo o
Congresso Nacional disciplinar, por decreto legislativo, as relações jurídicas
delas decorrentes.
(...)
§
11. Não editado o decreto legislativo a que se refere o § 3º até sessenta dias
após a rejeição ou perda de eficácia de medida provisória, as relações
jurídicas constituídas e decorrentes de atos praticados durante sua vigência
conservar-se-ão por ela regidas. BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição da
República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Presidência da República,
1988. Disponível aqui. Acesso em 15.03.2022
Fonte:
Migalhas