Quando
pensamos nos motivos que levam os pais a abrir mão de seus filhos, logo nos vem
à mente a falta de recursos financeiros, porém, isso nem sempre será verdade. É
claro que não podemos descartar que a pobreza e a falta de recursos financeiros
seja uma das maiores causas que levam os pais a desistirem das suas
responsabilidades. No entanto, não há como fecharmos os olhos para os inúmeros
pais afortunados e endinheirados que também o fazem.
Apesar de
parecer um enredo bem típico das novelas mexicanas, não é raro nos depararmos
com casos em que o indivíduo adotado descobre que seus pais biológicos possuem
um bom patrimônio, uma condição financeira próspera e estável, que por vezes,
até mesmo supera a dos pais adotivos. E, sabendo disso, o filho pode passar a
se questionar se terá algum direito à herança dos pais biológicos.
Como bem
se sabe, os filhos são os "herdeiros de primeira classe" e concorrem
com o cônjuge para receber a herança do pai ou mãe falecidos. A parte que cada
herdeiro receberá irá variar conforme o regime de bens adotado no casamento,
que destacamos ser, em sua maioria, a comunhão parcial.
Faço uma
observação para dizer que o período em que se estabelece a sucessão e partilha
dos bens geralmente vem acompanhado de muita tensão e discordância entre os
familiares. Por isso, independente do formato familiar e da existência de
filhos adotados ou não, recomendamos sempre que seja realizado um planejamento
sucessório adequado entre os herdeiros, para evitar esse e outros tipos de
atritos que possam surgir depois do falecimento dos pais.
Voltando
ao que de fato interessa, no Direito atual, quando tratamos de filiação,
observamos que não há mais qualquer distinção ou discriminação entre os
chamados filhos biológicos e adotivos, sendo que todo direito concedido à um
deverá se estender ao outro, de maneira equivalente.
A adoção,
de maneira clara, cria um vínculo com alguém com quem não se há laço natural e
genético, e, para que seja válida, deverá ser feita através da lei e por meio
do procedimento estabelecido no Estatuto da Criança e do Adolescente. Sendo
cumpridas todas as formalidades do processo judicial, e ao fim, concedida a
adoção através da sentença, será a relação consolidada e o filho adotado
passará a ser "tão legítimo" quanto qualquer "filhos de
sangue" daquele (s) adotante (s). Todos os direitos serão resguardados, em
total igualdade. Inclusive, os que recaem sobre a sucessão, pois, falecendo um
dos adotantes, o filho adotado será herdeiro legítimo.
O que não
ocorre em relação aos pais biológicos quando acontece a adoção. Mesmo que o
indivíduo conheça sua origem, não será considerado herdeiro necessário dos pais
biológicos e sim dos pais adotivos, já que ao ser formalmente adotado, a
criança ou adolescente rompe o vínculo jurídico até então existente com os pais
biológicos, sendo os laços anteriores extintos, desfeitos, e, no caso do
falecimento de um ou ambos destes, não subsistirá nenhum direito.
No
entanto, a maior problemática encontrada no Brasil em relação à herança do
filho adotivo não se relaciona àqueles que foram legalmente adotados, mas sim,
aos que firmaram vínculo familiar através da adoção "à
brasileira". A situação nesse caso
é bem diferente.
Há casos
em que uma criança é dada (ou tomada) para ser criada por outra família, sendo
até mesmo registrada como filha biológica, integrante daquele novo grupo
familiar sem passar por todo o procedimento previsto pela lei para a adoção.
Essa prática é ilegal, e os pais biológicos tem o direito de reaver a criança,
caso se arrependa ou prove ausência de consentimento para a adoção. Nesse caso,
esse filho pode sim pleitear a herança dos pais biológicos, podendo, inclusive,
ser feito o exame de DNA para comprovar a filiação.
Mas
lembrando, claro, que essa não é a única maneira de apurar a paternidade, nem
mesmo é obrigatório. Na verdade, o exame torna tudo mais fácil e rápido para
descobrir a paternidade, mas é necessário que o filho busque o maior número de
provas do parentesco com os pais biológicos para que o juiz possa concluir pela
relação familiar.
No caso
da investigação ocorrer após o falecimento dos pais biológicos e já houver sido
feita a partilha dos supostos bens, o filho biológico poderá ainda se valer da
petição de herança e da sobrepartilha.
No
entanto, mesmo não seja esse caso e que a adoção tenha acontecido formalmente,
isso não impedirá os pais biológicos, por livre e espontânea vontade, se assim
quiserem, deixar alguma herança ao filho entregue à adoção. O ato poderá ser
realizado em testamento, devendo observar o limite de 50% de seu patrimônio que
pode dispor livremente, conforme se encontra no artigo 1.846 do Código Civil.
Doar
patrimônio ao filho biológico não é uma obrigação. Porém, apesar de sabermos
que valor algum poderá suprir os prejuízos da jornada daquele que é abandonado
pelos pais, teremos que concordar que seria ao menos justa a compensação
simbólica vinda pelo testamento, em razão da falta que cometeram na vida do
filho ao não assumir suas responsabilidades.
Danielle Corrêa é
advogada, com pós-graduação em Direito de Família e Sucessões, membro da OAB-SP
e do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM).
Fonte:
Consultor Jurídico