Por
maioria de votos, a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça – STJ concluiu
que a definição de regime de bens em união estável por escritura pública não
retroage. O entendimento é de que a escolha do regime de comunhão de bens em
uma união estável por contrato escrito produz efeitos ex nunc, e cláusulas
que estabeleçam a retroatividade desses efeitos são inválidas.
A
Corte deu provimento a um recurso especial para reformar acórdão do Tribunal de
Justiça do Mato Grosso – TJMT. Em segundo grau, o entendimento havia sido pela
retroatividade da escolha do regime de comunhão de bens feita pelo casal.
No
caso dos autos, os cônjuges oficializaram a união estável em janeiro de 2008,
com definição do regime de separação total de bens. O documento incluiu
cláusula segundo a qual seus efeitos retroagiriam desde a data em que passaram
a morar juntos, em maio de 2000.
Após
a separação, um dos cônjuges pediu a partilha igualitária dos bens e ajuizou
ação para anular a parte do contrato de união estável que previa a
retroatividade do regime nele estabelecido. A demanda foi julgada improcedente
pelas instâncias ordinárias.
Para
a Quarta Turma do STJ, a definição de um novo regime durante o curso da união
estável altera a situação de comunhão parcial de bens – motivo pelo qual não
pode retroagir. Segundo o ministro Antonio Carlos Ferreira, relator do caso,
“no período anterior à celebração do contrato, deve vigorar o regime legal da
comunhão parcial de bens”.
A
posição do relator foi acompanhada pelos ministros Luís Felipe Salomão, Marco
Buzzi e Maria Isabel Gallotti. A ministra acrescentou em voto-vista que a
alteração do regime de bens durante a união estável depende de autorização
judicial, nos moldes do que prevê o § 2º do artigo 1.639 do Código Civil.
Para
o ministro Raul Araújo, que teve voto vencido, se a união estável se iniciou e
perdurou até o momento em que, pela primeira vez, o casal decide adotar um
regime de comunhão de bens, então não se trata de alteração do mesmo. Logo, é
possível conferir efeitos retroativos a essa posição.
AREsp
1.631.112
“Decisão
vai contra os desejos e a boa-fé da maioria”, diz especialista
A
tabeliã de notas Priscila Agapito, diretora nacional do Instituto Brasileiro de
Direito de Família – IBDFAM, lembra que o entendimento já vinha sendo aplicado
há algum tempo nos tabelionatos brasileiros, e avalia a decisão com
reservas. “Ao levar em conta a minha experiência de mais de 20 anos na lida
diária com esses casais (que celebram este tipo de pacto no cartório), sinto
que a decisão vai contra os desejos e a boa-fé da maioria deles.”
“A
união estável é situação de fato. A lei sempre previu a informalidade e é assim
que a maioria dos casais vive. Ao perceberem que há a necessidade de
formalizarem a relação por um contrato, por qualquer motivo que seja (uma
inclusão no plano de saúde, no clube, ou em uma previdência) são surpreendidos
ao dizermos pra eles que só podem pactuar daqui para frente, que o regime
livremente escolhido (maioria das vezes o da separação total de bens) só poderá
valer doravante”, explica a especialista.
Priscila
destaca que a lei não exige contrato escrito, mas exige advogado para a
dissolução. “Na cabeça do povo leigo, é um contrassenso. Eles sempre se
assustam quando dizemos isso. Pois, atualmente, não há muita diferença palpável
entre a união estável e o casamento.”
“Essas
novidades do CPC de 2015 não foram ainda bem assimiladas pela população. Posso
garantir que em 90% dos casos não existe nenhuma má-fé do casal ao querer
definir o regime retroativamente. É apenas por uma questão de segurança
jurídica que desejam isso. Contudo, não podemos mais vender isso no tabelionato”,
detalha a tabeliã.
Liberdade
efetiva de escolha
Segundo
a especialista, a saída encontrada por muitos casais é fazer um instrumento
particular com data retroativa, “perfazendo uma indesejável fraude”. “Não seria
muito mais lógico que houvesse liberdade efetiva de escolha? Com consequências
práticas de ineficácia apenas em casos comprovados de fraude a terceiros?”,
questiona.
Ela
acrescenta: “Penso que está na hora de voltarmos um pouco ao tempo em que havia
liberdade real de escolha. Neste aspecto, creio que a jurisprudência evoluiu
mal, pois despeja na união estável uma série de formalidades que só caberiam no
casamento”.
Priscila
Agapito prevê um esvaziamento cada vez maior do instituto devido ao excesso de
regulação estatal, e um aumento do número de instrumentos particulares, quando
existentes, pelos motivos já expostos. “As regras não estão claras no jogo.
Como não há um prazo preestabelecido para a configuração da união estável, não
há como se dizer, com certeza, quando ela começou.”
“É
um requisito subjetivo e empírico. Então, a partir de qual momento se daria a
alteração de regime de bens? Toda união estável começa então a ser regida pela
comunhão parcial e precisa de alteração judicial para transmutar o regime? Se
não é possível frisar qual o primeiro dia de uma união estável e nesse mesmo
dia estabelecer o regime desejado, como resolver a questão? Infelizmente,
judicializando-a”, avalia a tabeliã.
Para
a especialista, "seria muito mais inteligente permitir que o casal, de
boa-fé, estabelecesse os parâmetros reais, diante de um tabelião de notas, com
a fé pública e os cuidados e seguranças que uma escritura inspira, e, qualquer
coisa diferente disso que fosse alegada, posteriormente, seria interpretada
como utilização da própria torpeza”.
Tendência
que não é nova
Na
opinião do juiz Rafael Calmon, membro do IBDFAM, a decisão segue uma tendência
que não é nova. “Há muitos anos a Corte já vem decidindo dessa mesma forma,
mostrando que o seu entendimento se mostra íntegro, coerente e estável a esse respeito.”
“Ao
contrário do que acontece no casamento, na união estável há uma informalidade
muito grande. E para que a coisa não descambe para um ‘vale tudo’, deve ter
algum regramento”, observa o magistrado.
O
juiz ressalta que a lei exige que seja um contrato escrito, mas não exige que
seja feito com escritura pública ou que haja um processo. “Não exige nada mais
nada menos do que seja um documento escrito, o que quer dizer que pode ser
feito por instrumento particular e mesmo no curso de um relacionamento já
existente”.
Fonte: Assessoria de Comunicação do IBDFAM (com informações
do ConJur)