Suspeito de feminicídio em São Vicente, no litoral
de São Paulo, e foragido da Justiça, um homem teve arrestada a parte que lhe
couber na herança de seu pai, já falecido, como forma de garantir o pagamento
de futura e eventual indenização por danos morais aos três filhos da vítima,
frutos de relacionamento com outro homem.
O homicídio
O juiz Mário Roberto Negreiros Velloso, da 2ª Vara
Cível de São Vicente, acolheu o pedido dos filhos da vítima, morta aos 56 anos.
Representados pela advogada Brunna Oliveira Pavanelli dos Anjos, os autores têm
39, 36 e 24 anos de idade. Eles pleiteiam o pagamento de indenização de R$ 10
mil para cada um, a ser atualizada desde a data do homicídio, além da cota do
acusado na herança.
"A probabilidade do direito está demonstrada
pelos documentos que escoltaram a inicial — inquérito policial, laudo com fotos
de câmeras do dia do crime, depoimentos, reportagens etc.", decidiu
Velloso. O juiz determinou a citação do requerido para que ele apresente a sua
defesa em 15 dias, caso queira, sob pena de serem presumidos verdadeiros os
fatos alegados pelos filhos da mulher assassinada.
Conforme o magistrado, além da probabilidade do
direito, o perigo na demora também está presente, tendo em vista a aparente
fragilidade econômica do requerido. "Os depoimentos revelam que o réu não
trabalhava, não tinha veículo e vivia sustentado pela vítima, mãe dos
autores", justificou. Velloso determinou o envio de ofício de sua decisão
à 1ª Vara de Família e Sucessões de São Vicente para que produza os devidos
efeitos.
Nessa vara tramita a ação de inventário. Ainda não
ocorreu a transmissão dos bens e direitos do pai do réu. De acordo com Brunna
Pavanelli, ainda não se sabe quanto seria destinado ao requerido. Segundo o
juiz, não há risco de irreversibilidade do arresto, pois a medida constritiva
incidirá apenas sobre eventuais créditos em favor do acusado, sem prejuízo aos
demais herdeiros, e poderá ser levantada em decisão de mérito.
Efeito ricochete
A advogada dos autores sustentou em sua petição que
a legislação brasileira impõe a obrigação de reparar o sofrimento causado aos
familiares de quem é morto em decorrência de uma conduta ilícita. "É o
chamado dano moral indireto, reflexo ou por ricochete". Ela contou que os
filhos de Sandra estão abalados emocionalmente e ajuizaram a ação para abrandar
o sofrimento decorrente da morte brutal da mãe.
"Vale salientar que nenhuma quantia é capaz de
substituir ou pagar todo o sofrimento que os filhos e familiares passaram e têm
passado. A presente ação tem por finalidade apenas uma compensação por todo o
mal sofrido, pois as sequelas e traumas decorrentes de tal fato, de uma notícia
tão triste, jamais serão apagadas da memória dos filhos", afirmou Brunna.
O feminicídio aconteceu na madrugada de 5 de
dezembro do ano passado, na casa onde Sandra morava. Porém, o crime só foi
descoberto na tarde do dia seguinte, após o filho mais novo da vítima estranhar
a ausência da mãe e arrombar a porta do quarto dela. A mulher estava morta na
cama.
O laudo necroscópico acusou indícios de asfixia
mecânica, mas são aguardados os resultados de exames complementares para
definir a causa da morte. Desde a comunicação do crime, o namorado de Sandra,
que era viúva, foi apontado como suposto autor. O suspeito, de 50 anos, não foi
mais visto após o homicídio.
Câmeras de segurança do condomínio mostram que
Sandra chegou ao local em seu carro, à 1h08 daquele dia. Ela estava acompanhada
do namorado, que saiu do veículo para abrir o portão da garagem. O casal entrou
na residência e o acusado foi embora, sozinho, às 2h16, conforme mostra a
filmagem. O suspeito saiu pedalando uma bicicleta e levando uma mochila.
Durante o período em que o suspeito permaneceu na
casa da namorada pela última vez, uma vizinha da vítima declarou em depoimento
prestado à polícia ter ouvido muito barulho vindo do imóvel. Segundo a
testemunha, ela não escutou gritos, mas algo parecido com pancadas na parede
durante cerca de 15 minutos. Três dias antes, a vítima havia sido agredida pelo
acusado com um soco no rosto.
Essa revelação foi feita pela vítima à sua mãe, que
também prestou depoimento. Segundo ela, a filha mantinha havia cerca de um ano
namoro com o suspeito, que demonstrava comportamento agressivo e forte ciúme.
Sem trabalhar, ele passou a residir na casa da namorada, que o mandou deixar o
local várias vezes por causa dos desentendimentos. Porém, a vítima voltava
atrás após o suspeito pedir perdão.
No último contato com a mãe, a vítima disse que, se
alguma coisa ruim ocorresse com ela, o responsável seria o namorado. Uma
ex-namorada do acusado o acusou de tentar estrangulá-la duas vezes em 2018.
Ainda naquele ano, a mulher também disse que ele a ameaçou com uma faca por não
aceitar o fim do relacionamento. Esses episódios foram registrados na época em
boletins de ocorrência.
O juiz Alexandre Torres de Aguiar, da 1ª Vara Criminal de São Vicente, decretou a prisão temporária do acusado. Segundo ele, os elementos do inquérito policial "sugerem a gravidade do delito e traduzem indícios de autoria de crime contra a vida". O magistrado também destacou que a medida é imprescindível para o aprofundamento das investigações, servindo para evitar "influência no ânimo das testemunhas".
Fonte: Conjur