Assegurar o acesso à Justiça em casos de violência
doméstica durante a pandemia da Covid-19 pode ser considerado uma
conquista neste dia 8 de março, quando se comemora o Dia Internacional da Mulher.
Campanhas nacionais de informação, acesso a mecanismos de denúncia por meios
eletrônicos e o estabelecimento do caráter de urgência para processos relativos
a medidas protetivas são alguns dos instrumentos utilizados pelo Sistema de
Justiça para enfrentar uma guerra invisível, aumentada em virtude do isolamento
para combater a propagação do novo coronavírus: a violência doméstica e o
assassinato de mulheres por seus companheiros durante a pandemia.
Segundo a conselheira do Conselho Nacional de Justiça (CNJ)
Tânia Regina Reckziegel, coordenadora do Movimento de Enfrentamento à Violência
Contra a Mulher do CNJ, 2020 foi um ano particularmente difícil para as
mulheres que vivem uma relação de abuso e violência. Mas, segundo ela, também
foi o ano em que o Sistema de Justiça criou mecanismos alternativos para
facilitar o acesso à Justiça.
Tânia Reckziegel cita a Campanha Sinal Vermelho,
desenvolvida pelo CNJ e a Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), como
ação fundamental para ampliar a possibilidade do pedido de socorro por mulheres
vítimas durante a quarentena. Outra medida relevante foi a resolução que
permite a emissão de medidas protetivas de urgência durante os plantões
judiciários e a recomendação aos tribunais para notificar as vítimas pelo WhatsApp
sobre a concessão dessas medidas.
Os dados mais recentes divulgados pelo CNJ sobre processos
de violência doméstica e de feminicídio no Brasil, revelam que, apesar dos
diversos desafios em 2020, a Justiça não está deixando sem resposta os crimes.
O número de casos novos envolvendo assassinato de mulheres foi de 2.788 no ano
passado – 39% maior que em 2019. O número de sentenças em feminicídio caiu 24%
de um ano para outro (2.016 sentenças, em 2020, e 2.657, em 2019), fruto das
dificuldades enfrentadas para garantir a tramitação dos processos.
A juíza Luciana Fiala, titular do 5º Juizado de Violência
Doméstica do Rio de Janeiro e juíza de Tribunal de Júri, acha surpreendente que
os números não tenham sido piores diante da pandemia. “Os Tribunais de Júri têm
especificidades que tornam impossível fazê-lo de forma remota. Na primeira fase
do procedimento, que se parece com audiências comuns, é possível colher os
depoimentos de maneira digital. Mas o julgamento em si reúne sete jurados,
juiz, promotor, advogados, funcionários da Justiça. Não tem como fazer isso de
casa. Os jurados precisam ficar incomunicáveis e essa segurança não teríamos
como garantir de maneira remota.”
Também houve menos processos de violência doméstica
iniciados na Justiça em 2020. O dado não surpreende a juíza Jacqueline Machado,
da Vara de Violência Doméstica que fica na Casa da Mulher Brasileira de Campo
Grande (MS). “Faz todo o sentido em um contexto de pandemia as mulheres
deixarem questões de Justiça para depois. Elas estão lidando com as
responsabilidades do trabalho doméstico, com os filhos em casa, cuidando de
pessoas idosas ou doentes e ainda estão em maior vulnerabilidade financeira. As
mulheres foram especialmente impactadas na pandemia. Se fossem tempos normais
teriam ido, sim, à Justiça e denunciado.”
Além da vulnerabilidade econômica das mulheres vítimas de
violência doméstica e familiar – muitas sequer possuem celular com acesso à
Internet ou possuem telefones com pacote de dados restrito -, as vítimas muitas
vezes convivem com os agressores. Quando é esse o caso, muitos juízes e juízas
preferem receber os depoimentos em audiências presenciais, já que a vítima
poderá ter dificuldade, no meio eletrônico, de garantir privacidade suficiente
para poder dizer o que realmente está passando.
Para a presidente do Fórum Nacional de Juízas e Juízes de
Violência Doméstica e Familiar (Fonavid), Bárbara Lívio, o Judiciário teve de
se reinventar para garantir as mulheres a proteção. E ainda precisar buscar
novas soluções. “Hoje, as vítimas podem buscar ajuda por diferentes canais,
dentro e fora de casa. A pandemia transformou muitos lares em verdadeiros
cárceres privados, possibilitando que os agressores estivessem mais tempo com
as vítimas. Nós precisamos ser mais criativos, criar mais formas de acesso à
proteção, para que as cifras ocultas de violência não aumentem.”
Os tribunais de todo o país devem divulgar em seus canais de
comunicação os telefones e e-mails de contato de serviços públicos para denúncia
de casos de violência doméstica, mesmo durante a pandemia. “A denúncia é
fundamental para barrarmos os casos de feminicídio. Ela serve como um freio no
ímpeto de violência dos agressores e somente com as denúncias o Estado pode
fazer algo por essa mulher, por essa família”, reforça Bárbara Lívio.
Os casos de emergência devem ser comunicados pelo telefone
190 e qualquer pessoa pode fazer a denúncia: a própria mulher, vizinhos,
parentes ou quem estiver presenciando, ouvindo ou que tenha conhecimento do fato.
Para os casos não emergenciais, o Ligue 180 ou o Disque 100 oferecem
orientações à vítima.
Fonte: Conselho Nacional de Justiça