Empresas que lutam na Justiça para não fecharem as portas
podem respirar um pouco mais aliviadas. Agora, depende apenas da sanção do
presidente Jair Bolsonaro para que entrem em vigor as mudanças promovidas na
Lei de Falências (Lei 11.101/2005). O Projeto de Lei 4.458/2020, que modifica
as regras, foi aprovado pelo Senado na quarta-feira passada (25).
Entre as principais alterações, está aquela que se refere à
recuperação extrajudicial instrumento que incentiva a negociação entre devedor
e credores. A proposta modifica diversos pontos da Lei 11.101, de 2005, que
regula a recuperação judicial, a extrajudicial e a falência empresarial. Na
recuperação extrajudicial, devedores e credores tentam entrar em um acordo, sem
que seja preciso a intervenção da Justiça.
Já a recuperação judicial conta com a intervenção da Justiça
para negociar uma alternativa para a empresa em dificuldades continuar a
funcionar. Assim, a recuperação judicial serve para tentar evitar a falência.
Na falência, a empresa encerra suas atividades e todos os seus ativos
equipamentos, maquinários, edifícios, entre outros são recolhidos pela Justiça
e vendidos para o pagamento das dívidas.
Um dos objetivos do PL 4.458/2020 é acelerar a conclusão do
processo de falência, que deverá se dar em seis meses. Hoje isso pode levar
mais de 10 anos. Isso facilita que o empresário possa, inclusive, voltar a empreender.
O projeto também regulamenta empréstimo para devedor em fase
de recuperação judicial. Esse tipo de empréstimo, conhecido como dip financing
(debtor in possession financing), implica muitos riscos para o financiador, e
por isso poucos bancos aceitam fazê-lo. Na avaliação de representantes do
empresariado, esse é um dos pontos altos do projeto.
A regulamentação do dip financing poderá auxiliar o devedor
em crise profunda, mas cuja empresa pode ainda ser viável, a obter créditos de
última hora, afastando-o da falência. Conforme o texto aprovado, se autorizado
pelo juiz, o devedor em recuperação judicial poderá fazer contratos de
financiamento para tentar salvar a empresa da falência.
Se a falência for decretada antes da liberação de todo o
dinheiro do financiamento, o contrato será rescindido sem multas ou encargos.
Outra mudança é a ampliação das possibilidades de
parcelamento de dívidas com a União para a empresa em recuperação judicial. O
texto aumenta o número de prestações de 84 para 120 e diminui o valor de cada
uma.
A empresa também poderá quitar até 30% da dívida consolidada
e dividir o restante em até 84 parcelas. Para pagar essa entrada, será possível
usar 25% do prejuízo fiscal e 9%, 17% ou 25%, conforme o tipo de empresa, da
base de cálculo negativa da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL).
Também será possível dividir em até 24 meses débitos
atualmente proibidos de serem parcelados, como os relativos a tributos com
retenção na fonte ou de terceiros (imposto de renda do empregado, por exemplo)
e o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF).
Modalidade extrajudicial de recuperação de empresas deve se
disseminar no ambiente corporativo do País
A expectativa é grande para que as mudanças na Lei da
Falência sejam sancionadas. Com as alterações entrando em vigor, a tendência é
que haja uma redução significativa de processos na Justiça. A recuperação
extrajudicial, acordo entre empresários e credores sem a necessidade de
trâmites no Judiciário, já estava prevista na legislação, mas era muito pouco
utilizada.
É que, com a mudança na lei permitirá, também, que uma
recuperação judicial seja transformada em extrajudicial, facilitando e
acelerando o entendimento entre as partes. Ao contrário da proibição atual de
incluir créditos trabalhistas ou por acidente de trabalho na recuperação
extrajudicial, o projeto permite essa inclusão se houver negociação coletiva
com o sindicato da respectiva categoria profissional.
Esse pode ser um passo importante para transformar a cultura
do litígio brasileira, estima Juliana. Com grande potencial para desafogar o
poder Judiciário, o mecanismo, agora, pode ser adotado com quórum de aprovação
de 50%. Anteriormente, era exigida a validação de 60% dos credores.
Para a contadora Daniela Lemos Abel, a principal mudança é a
garantia de que, quando for firmado um acordo de recuperação extrajudicial,
poderá ser suspenso o prazo das execuções das dívidas, o que não é possível
atualmente.
"Isso tudo tornará o processo de recuperação
extrajudicial mais seguro e menos custoso para todos os envolvidos",
projeta Daniela.
Juliana destaca que os avanços são cruciais para a
consolidação de ambientes menos litigiosos de renegociação de dívidas.
"Pela minha experiência, o caminho da recuperação extrajudicial deve ser
sempre o Plano A de um projeto", diz.
De acordo com ela, as mudanças introduzidas, essa tendência
se consolida e o instrumento sai fortalecido. A melhora no ambiente de negócios
é nítida. Com isso, toda a sociedade ganha", ressalta Juliana.
Ainda dentre as novidades, destacam-se o novo sistema de
pré-insolvência empresarial, no qual estão contempladas regras claras para
consolidação substancial de grupos empresariais. O objetivo desses artigos é o
de acelerar a falência e insolvência transnacional, entre outros.
A aceleração do processo de falência é vista por
especialistas como fundamental para a melhoria do ambiente de negócios
brasileiro. "Hoje, a situação é muito grave. Leva entre 10 e 15 anos para
conseguir decretar falência. O empreendedor vira um pária", diz Juliana
Biolchi.
Garantia de acesso ao crédito ganha destaque na nova
legislação
Considerada um marco para a modernização do ambiente de
negócios brasileiro, a Lei 11.101//2005 está em vigor há 15 anos, porém, esse
tempo todo não foi suficiente para a pacificação jurisprudencial de muitos
dilemas sensíveis ao soerguimento e ao encerramento de empresas no País. As
mudanças trazidas pelo 4.458/2020 são, portanto, comemoradas por especialistas
e empresários.
O presidente do Grupo de Líderes Empresariais do Rio Grande
do Sul (Lide/RS), Eduardo Fernandez, acredita que a nova lei é benéfica para os
empresários e destaca a promoção do uso do chamado DIP Financing como um dos
grandes avanços. O debtor-in-possession é uma modalidade de novo financiamento
para uma empresa que está em processo de recuperação judicial, ou seja, que já
possui um plano aprovado ou em discussão por seus credores para o pagamento de
suas dívidas.
Para Fernandez, impulsionar sua utilização irá facilitar o
acesso ao crédito e agilizar os processos de recuperação e/ou liquidação das
empresas que estiverem em dificuldade. "Ela também vai ampliar as
garantias para os investidores que financiarem estas empresas, o que irá
impactar positivamente na retomada econômica", salienta Fernandez.
Para o presidente do Lide/RS, a Lei torna-se ainda mais
necessária neste ano atípico devido à pandemia, com baixo crescimento, o que
levou as empresas a enfrentarem sérios problemas. "Agora, este
instrumento, mais acessível e fácil de ser utilizado, traz esperança para
muitos que não viam como enfrentar este momento", complementa.
O sócio fundador da Martins, Rillo Advogados e presidente da
Comissão de Falências e Recuperação Judicial da OAB/RS, Roberto Martins,
concorda que podem ser esperados inúmeros impactos positivos no ambiente
empresarial e de tratamento da crise nas empresas brasileiras. Para Martins, as
alterações apresentadas chancelaram a jurisprudência dos tribunais nos últimos
15 anos sobre a matéria, incluindo no texto legal o que judiciário já vinha
acolhendo.
Além de dar maior segurança ao investidor para o
financiamento das empresas em crise, o advogado ressalta que, ainda que pareça
paradoxal, dar mais agilidade ao processo de falência pode contribuir com o
empreendedorismo. Isso, segundo Martins, acarretará no retorno do empresário
falido mais rápido para o mercado, impulsionando o chamado fresh start.
Busca de grupos por solução conjunta é avanço, diz
especialista.
Dentre os diversos pontos e temas prestes a serem alterados
na Lei de Falências, chama atenção o esforço para atribuir maior celeridade e,
concomitantemente, reduzir a burocracia dos processos ressurrecionais e
falimentares. Nessa linha, é de extrema relevância a regulamentação da
recuperação judicial de grupos econômicos, destaca a advogada do escritório
Feijó Lopes, Paula Cirne Lima.
A legislação em vigor não previa expressamente a
possibilidade de diversas empresas ajuizarem, em conjunto, ações de recuperação
judicial - "mas a doutrina e a jurisprudência o autorizavam", pontua.
Ela recorda que o STJ já havia enfrentado o tema e concluído pela possibilidade
de litisconsórcio ativo no processo de recuperação judicial (Recurso Especial
n. 1.665.042/RS). Contudo, até então não havia entendimento jurisprudencial ou
doutrinário sobre a necessidade ou não de apresentação de planos individuais
para cada empresa.
Em regra, as empresas de um mesmo grupo econômico
apresentavam plano único, com lista única de credores, o que era admitido e
pouco questionado pelos tribunais. "Isso era extremamente prejudicial para
alguns credores, principalmente financiadores que haviam emprestado recursos
para empresa sólida e sadia, mas acabavam sujeitando-se ao patrimônio de outras
empresas em situação calamitosa", revela a especialista.
O Projeto de Lei resolveu esse problema ao instituir e
diferenciar a "consolidação processual" e a "consolidação
substancial", explica Paula. A primeira autoriza o litisconsórcio ativo na
recuperação judicial, mas exige lista de credores, plano de recuperação e
assembleia geral individuais. Já a segunda opção autoriza a unificação do
procedimento. "O PL resolveu uma importante lacuna do direito falimentar,
ao proteger credores que haviam auditado seus devedores antes da realização de
negócios, mas acabavam prejudicados pela imposição de um plano único para todo
o grupo econômico", sustenta.
Fonte: Jornal do Comércio