O presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e do
Conselho da Justiça Federal (CJF), ministro Humberto Martins, afirmou que a
entrada em vigor da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD),
na última sexta-feira (18), colocou o Brasil no grupo dos países que reconhecem
os cidadãos como titulares de direitos sobre seus dados pessoais. Segundo ele,
a nova lei provocará transformações importantes na rotina de pessoas, empresas
e organizações públicas.
A declaração foi feita na abertura do webinário promovido
nesta segunda-feira (21) pelo tribunal e pelo CJF, em parceria com o Centro de
Formação e Gestão Judiciária do STJ (Cefor) e a Escola Nacional de Formação e
Aperfeiçoamento de Magistrados (Enfam), para debater a aplicação da LGPD no
Poder Judiciário.
De acordo com o presidente do STJ, o Judiciário, seguindo
a Recomendação
73/2020 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), está trabalhando
para adequar todos os seus órgãos jurisdicionais, administrativos e gerenciais
à nova legislação.
O ministro destacou que, para que sejam
implementados e garantidos os direitos subjetivos previstos na LGPD, é preciso
haver vigilância contínua, tanto externa quanto interna, com a utilização dos
meios de controle do Poder Judiciário.
"A própria ação dos órgãos do Poder Judiciário,
portanto, já é um caminho para efetivar tal garantia de direitos", afirmou
Humberto Martins.
A nova lei exige que empresas e órgãos públicos deixem claro
para os usuários de que forma serão feitos a coleta, o armazenamento e o uso de
seus dados pessoais.
Responsabilidade
O diretor-geral da Escola Nacional de Formação e
Aperfeiçoamento de Magistrados (Enfam), ministro Og Fernandes, lembrou que os
dados são hoje a grande ferramenta de controle do presente e do futuro.
"O mundo cibernético, sem fronteiras e com inúmeras
possibilidades, incentiva o compartilhamento desenfreado de informações
pessoais. Essas informações também são exigidas a cada passo e a cada instante.
No momento em que abandonamos o papel – inclusive dentro do Judiciário –,
inserimos os dados em grandes bancos imateriais, que deixam o meio físico e
passam a ficar contidos em nuvens de memória eterna e sem censuras",
afirmou.
Og Fernandes destacou a importância e a responsabilidade
representada pela posse e pela gestão de dados pessoais no STJ e no Judiciário
como um todo, e exortou que os magistrados debatam o tema e se preparem para os
novos desafios.
"O Poder Judiciário, como hospedeiro de dados pessoais
de milhões de pessoas – muitas delas vulneráveis –, deve debater essa
responsabilidade e esse encargo. Para nós, juízes e gestores do sistema de
Justiça, dados pessoais nunca poderão ser uma simples moeda de troca ou o
petróleo do futuro. Temos um papel de proteção e de gestão dos dados daqueles
que buscam a Justiça em busca de respostas, bem como daqueles que compõem o
corpo que movimenta a máquina jurisdicional", concluiu o ministro.
Segundo o diretor do Cefor, professor Alexandre Veronese, o
webinário é o primeiro evento público de uma série de ações com as quais o STJ,
o CJF e a Enfam pretendem colaborar na efetivação da LGPD dentro dos órgãos
judiciários.
"Teremos muitos meses de trabalho na adaptação de
rotinas, processos e serviços aos termos da Lei Geral de Proteção de Dados
Pessoais. Essa adaptação possui uma perspectiva interna com as peculiaridades
das atividades judiciárias, as quais exigirão – por certo – soluções
específicas", afirmou Veronese.
Segurança
O ministro Villas Bôas Cueva iniciou o debate traçando um
histórico da construção da legislação de proteção de dados no Brasil. Segundo
ele, a Lei 13.709/2018 tramitou durante oito
anos, com um amplo debate entre o Congresso Nacional e a sociedade, e se baseia
no Regulamento Geral de Proteção de Dados, uma geração mais avançada dessa
legislação de proteção de dados na Europa.
"Essa lei é muito importante para inserir o Brasil
nesta nova economia digital e permitir que os titulares de dados tenham mais
segurança nas transações, que se tornam cada vez mais constantes e ainda
aumentarão com o 5G e com o uso de instrumentos de inteligência artificial, em
todos os setores, inclusive no Judiciário", destacou.
Para o ministro, a nova lei é muito importante para colocar
o Brasil em sintonia com os marcos legais regulatórios existentes no mundo.
Segundo ele, desde a década de 1990, a jurisprudência do STJ
tem reconhecido que existe um novo tipo de privacidade envolvendo dados. O
ministro lembrou que, quando o STF tratou das ações que questionavam o envio de
dados das empresas de telefonia fixa e móvel para o Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE) – como previsto na Medida Provisória 954 –,
firmou importante jurisprudência.
"Essa foi a primeira vez que o Supremo reconheceu a
existência de um direito fundamental de proteção de dados", afirmou.
Villas Bôas Cueva acrescentou que, no Poder judiciário, a
questão da aplicação da LGPD é complexa. Ele disse que existem pelo menos duas
dimensões de aplicação da nova lei que devem ser adaptadas: a atividade não
jurisdicional, administrativa; e a atividade jurisdicional, típica do Poder
Judiciário.
Ele lembrou que a recomendação do CNJ traz orientações para
que os tribunais criem seus planos de ação para mapear todas as suas atividades
envolvendo dados pessoais, como os dados serão mantidos e quais critérios de
segurança serão aplicados para garantir que a política de proteção de dados
seja atendida.
Adaptação
Para a advogada Andrea Willemin, a LGPD é uma lei de grande
espectro que impactará a maioria das atividades da população brasileira e dos
órgãos públicos, principalmente o Poder Judiciário. "Quando falamos da
LGPD, criamos uma nova categoria de dados, dados
pessoais versus demais dados", explicou.
Segundo Andrea Willemin, essa cisão traz toda uma alteração
na forma e na estrutura de se lidar com os dados pessoais, além de exigir uma
adaptação para que as estruturas organizacional, processual e sistemática
trabalhem pela implementação do novo direito fundamental reconhecido pela lei.
A professora declarou ainda que, em razão do aumento do uso
da tecnologia, as pessoas podem sofrer danos e violações; por isso, o titular
do dado precisa estar ciente do que está sendo feito com seus dados pessoais.
"Em nenhum momento a LGPD vai proibir o uso dos
dados, e sim mostrará como esses dados pessoais poderão ser utilizados",
destacou.
Para a advogada, as instituições precisam conhecer a LGPD e
os dados que transitam dentro dos seus órgãos, para se organizarem. "A
dificuldade é grande, pois a ordem jurídica brasileira é diferenciada. Tínhamos
grande exposição das informações, e a LGPD traz um novo ponto para remanejar o
tratamento desses dados", acrescentou.
Ela observou ainda que a adaptação das instituições implica
modificação dos processos dentro das organizações, com fiscalização dos dados
que entram e saem dos sistemas, para efetivar o novo direito.
"Não existe fórmula pronta para implementar a LGPD.
Isso depende das particularidades de cada país e de cada instituição. Nesse
momento, é preciso criar modelos para cada órgão, de forma que se possa prestar
contas desses dados, pois vão gerar impacto em todas as áreas. É preciso um
modelo próprio para a nossa realidade face à grande diversidade legal,
cultural, econômica e tecnológica do Brasil", concluiu.
Também participaram do webinário os ministros do STJ Maria
Thereza de Assis Moura, Paulo de Tarso Sanseverino, Benedito Gonçalves e Isabel
Gallotti.
O evento foi transmitido pelo canal do STJ no YouTube.
Assista aqui à íntegra do seminário.
Leia o discurso do
presidente do STJ.
Fonte: Superior Tribunal de Justiça