Podemos, enfim, comemorar. A Lei Geral de Proteção de Dados
(LGPD) que regulará o tratamento de dados pessoais, veio, enfim, ao mundo
(18/9). Porém ao estabelecer como todos nós poderemos exercer nossos direitos,
ela traz em sua redação um desafio que oscila entre o inexequível e o
temerário.
Inexequível ao determinar que o responsável pelo tratamento
deverá, de modo imediato, responder à requisição do titular. Qualquer europeu
que está vivenciando por lá o verdadeiro calvário que é responder tais
requisições, mesmo um simples “sim/não” sobre a existência de dados em suas
bases, deve estranhar nossa lei.
Temerário pois na continuação do previsto na LGPD, em
princípio sem chance de prorrogação, há o prazo de 15 dias para “por meio de
declaração clara e completa, que indique a origem dos dados, a inexistência de
registro, os critérios utilizados e a finalidade do tratamento”.
E é aí que reside mais um grande risco e problema. Tomado
isoladamente, pode assim não parecer.
Apesar do ineditismo da LGPD para nós, temos uma lei
equivalente na Europa em vigor desde maio de 2018, o GDPR (General Data
Protection Regulation).
Contextualizando, em maio de 2020, a Sapio Research levantou
que no Reino Unido apenas 52% das requisições dos titulares de dados são
atendidas dentro dos 30 dias iniciais. Lá, diferente daqui o prazo é de 30
dias, prorrogáveis por mais 60 dias. Fazendo uma simples “regra de três”
comparativamente seriam otimistas míseros 26% de solicitações atendidas dentro
do prazo da LGPD. Os 74% restantes?
Um risco concreto de ações judiciais a caminho, uma vez que
sequer dispõe-se nesse momento da instância administrativa da ANPD para se
valer o titular, pois também está previsto na LGPD que esse tem o direito de
peticionar junto a ela em relação aos seus dados contra o agente de tratamento.
E os custos das potenciais ações não devem ser considerados
desprezíveis nem estas, improváveis.
Some-se a isso que o custo médio de uma requisição, ainda
segundo o estudo da Sapio, é de US$ 6.330, algo em torno de R$ 33.000 reais.
Acrescente-se no futuro o custo das sanções, por enquanto suspensas, pois a lei
como hoje está prevê que as mesmas só poderão ser aplicadas a partir de Agosto
de 2021. Entretanto como se pode observar, as eventuais sanções se tornam “um
mero detalhe” e o fatiamento da LGPD com a eficácia de todos os dispositivos
desde já exceto os que preveem as sanções pode levar à falsa sensação que “se
ganhou tempo” e não é o caso.
Talvez tenhamos uma “tempestade perfeita” surgindo no
horizonte. Em meio a merecida comemoração, precisamos discutir esses pontos,
sob pena de termos efeitos à credibilidade da própria lei e uma oneração ainda
não prevista pela grande maioria do empresariado que sequer sabe sobre a
existência da LGPD.
A segurança jurídica que desejada com a LGPD para os setores
público e privado é inadiável para o alinhamento do Brasil em relação ao resto
do mundo. Ao mesmo tempo, a garantia efetiva dos direitos de todos nós,
cidadãos e titulares de dados, precisava, de fato, ser urgentemente
estabelecida.
Mas esse equilíbrio exige que sejam considerados todos os
aspectos práticos envolvidos: técnicos e administrativos, inclusive.
A persistir como está, um único artigo da LGPD pode vir a
feri-la gravemente. Uma construção de anos, ser comprometida.
Urge, pois, que esse verdadeiro “Cavalo de Troia” seja
desmontado o quanto antes, sob pena de virarmos no final do dia troianos
atacando a si mesmos.
Fonte: O Estado de São Paulo