A Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ)
concedeu habeas corpus para revogar a prisão civil de um devedor de alimentos,
em caso no qual a obrigação alimentar – de caráter indenizatório – foi imposta
em decorrência de ato ilícito. Para os ministros, a única hipótese de prisão
por dívida admitida no ordenamento jurídico brasileiro é aquela relacionada à
pensão alimentícia com origem no direito de família.
O colegiado reformou acórdão do Tribunal de Justiça do
Paraná (TJPR) que havia determinado a prisão do devedor em razão do não
pagamento da obrigação alimentar aos filhos de uma mulher vítima de homicídio
cometido por ele.
Segundo a defesa, o réu cumpre pena pelo homicídio, já em
regime aberto, e teve seus bens bloqueados para garantir a execução da sentença
proferida em ação de indenização por danos morais. Contudo, por não verificar
comprovação do pagamento integral da obrigação alimentar, o TJPR determinou a
prisão civil.
Regra específica
A relatora do habeas corpus no STJ, ministra Isabel
Gallotti, explicou que os alimentos, de acordo com a origem, podem ser
classificados em três espécies: legítimos (devidos por força de vínculo
familiar, estabelecido em lei), voluntários/negociais (derivados de negócio
jurídico) ou indenizatórios (em razão de ato ilícito).
Segundo ela, os alimentos decorrentes de ato ilícito são
considerados de forma expressa pelo Código Civil como indenização. A discussão
no caso, ressaltou, é saber se o rito prescrito no artigo 528 do Código de
Processo Civil (CPC) – que estabelece a possibilidade de prisão em caso de não
pagamento injustificado da pensão – tem aplicação na execução de sentenças
indenizatórias de ato ilícito.
A ministra apontou que a questão não tem unanimidade na
doutrina, mas parte expressiva dos juristas sustenta que somente no caso das
obrigações de direito de família é que se torna possível a prisão civil do
devedor de alimentos. Esse entendimento – afirmou Gallotti – é corroborado pela
compreensão de que o CPC, em seu artigo 533, apresenta regra específica
destinada a reger a execução de sentença indenizatória que inclui prestação de
alimentos, a qual não pode ser alargada.
Obrigações distintas
De acordo com a ministra, alguns doutrinadores ressaltam que
o artigo 528 do CPC não faz diferença entre a obrigação alimentar de direito de
família e a decorrente de ato ilícito.
Para a relatora, no entanto, "é manifesta a distinção entre a
obrigação de prestar alimentos derivada de vínculo familiar e a decorrente da
condenação a compor os prejuízos causados por ato ilícito".
Isabel Gallotti lembrou que os alimentos indenizatórios são
arbitrados em quantia fixa, pois são medidos pela extensão do dano, de forma a
propiciar, na medida do possível, o retorno da vítima à situação anterior ao
ato ilícito. Ao contrário – observou –, os alimentos do direito de família
devem necessariamente levar em consideração o binômio necessidade-possibilidade
para a sua fixação, estando sujeitos à reavaliação para mais ou para menos, a
depender das instabilidades ocorridas na vida dos sujeitos da relação jurídica.
Direito fundamental
"Considero que, embora nobre a intenção do intérprete,
e sem descurar da possível necessidade do credor dos alimentos indenizatórios,
não é dado ao Poder Judiciário ampliar as hipóteses de cabimento de medida de
caráter excepcional e invasiva a direito fundamental garantido pela
Constituição Federal", afirmou.
A ministra ponderou que o alargamento das hipóteses de
prisão civil, para alcançar também a prestação de alimentos de caráter
indenizatório – segundo alguns doutrinadores, deveria valer para todos os
credores de salários e honorários profissionais –, "acaba por enfraquecer
a dignidade excepcional, a força coercitiva extrema, que o ordenamento
jurídico, ao vedar como regra geral a prisão por dívida, concedeu à obrigação
alimentar típica, decorrente de direito de família – a qual, em sua essência, é
sempre variável de acordo com as necessidades e possibilidades dos
envolvidos".
O número deste processo não é divulgado em razão de segredo
judicial.
Fonte: Superior Tribunal de Justiça