Conceito de testamento
Fábio Ulhoa Coelho conceitua testamento da seguinte forma:
“A ordem jurídica reconhece, dentro de certos limites, o
direito de a pessoa física definir, por sua própria vontade, a destinação de
seus bens após a morte.
É o direito de testar, atribuído a todas as pessoas capazes
(CC, art. 1.857) e aos relativamente incapazes (art. 1.860, parágrafo único)
que, no momento do ato, gozem de pleno discernimento.
O testamento é um ato personalíssimo. Isso significa que
ninguém pode testar por procurador ou tendo sua vontade fortemente influenciada
por outra pessoa.
Admite-se, apenas, que o testador possa ser auxiliado, no
aclaramento de sua vontade e compreensão dos respectivos efeitos, por alguém de
sua confiança ou um advogado.
Da circunstância de ser o testamento ato personalíssimo
decorre também a sua alterabilidade e revogabilidade, a qualquer tempo, pelo
testador.
A pessoa pode mudar, quantas vezes quiser, sua vontade
relativamente à destinação dos bens após a morte, como também simplesmente
desistir de interferir no assunto, prevalecendo sempre a última disposição
manifestada em vida”.
Flávio Tartuce afirma que o testamento representa, em sede
de Direito das Sucessões, a principal forma de expressão e exercício da
autonomia privada, como típico instituto mortis causa, bem como, além de
constituir o cerne da modalidade sucessão testamentária, por ato de última
vontade, o testamento também é a via adequada para outras manifestações da
liberdade pessoal.
Modalidades ordinárias de testamento
O Código Civil, no artigo 1.862, disciplina as formas
ordinárias de testamento, quais sejam: o público; o cerrado e o
particular.
Ainda, dispõe que é proibido o testamento conjuntivo (aquele
celebrado por duas ou mais pessoas), seja simultâneo, recíproco ou
correspectivo (artigo 1.863 do CC).
Testamento Público
É a forma mais utilizada de testamento.
O testador declara perante o tabelião ou por seu substituto
legal e o mesmo assenta no livro de notas.
Sendo lavrado o instrumento, o mesmo é lido em voz alta pelo
tabelião ao testador e a duas testemunhas, a um só tempo ou pelo testador, se o
quiser, na presença destas e do oficial.
Em seguida, o instrumento é assinado pelo testador, pelas
testemunhas e pelo tabelião (artigo 1.864 do CC).
Ressalta-se que o testamento público pode ser escrito
manualmente ou mecanicamente, bem como ser feito pela inserção da declaração de
vontade em partes impressas de livro de notas, desde que rubricadas todas as
páginas pelo testador, se mais de uma (parágrafo único do artigo 1.864 do CC).
Se o testador não souber, ou não puder assinar, esse
impedimento será declarado no instrumento pelo tabelião ou seu substituto
legal, assinando, neste caso, pelo testador, e, a seu rogo, uma das testemunhas
instrumentárias (artigo 1.865 do CC).
O indivíduo inteiramente surdo, sabendo ler, lerá o seu
testamento, e, se não o souber, designará quem o leia em seu lugar, presentes
as testemunhas (artigo 1.866 do CC).
O cego só poderá testar na forma do testamento público, que
lhe será lido, em voz alta, duas vezes, uma pelo tabelião ou por seu substituto
legal, e a outra por uma das testemunhas, designada pelo testador, fazendo-se
de tudo circunstanciada menção no testamento (artigo 1.867 do CC).
Testamento Cerrado
Nessa modalidade de testamento, o mesmo é escrito pelo
testador, a próprio punho – também pode ser escrito mecanicamente, desde que
seu subscritor numere e autentique, com a sua assinatura, todas as páginas – ou
por outra pessoa, a seu rogo, e por aquele assinado.
O testador deve entregar o documento ao tabelião, na
presença de duas testemunhas; deve declarar que o referido documento é o seu
testamento e declarar que deseja a aprovação deste.
Assim, o tabelião deve lavrar, desde logo, o auto de
aprovação, na presença de duas testemunhas, e o ler, em seguida, ao testador e
testemunhas e, logo após, o mesmo deve ser assinado pelo tabelião, pelas
testemunhas e pelo testador (artigo 1.868 do CC).
O auto de aprovação, realizado pelo tabelião, deve ser
iniciado imediatamente depois da última palavra do testador e deve declarar,
sob sua fé, que o testador lhe entregou para ser aprovado na presença das
testemunhas; passando a cerrar e coser o instrumento aprovado (artigo 1.869 do
CC).
Só poderá dispor de seus bens em testamento a pessoa
alfabetizada, podendo ser escrito em língua nacional ou estrangeira (artigos
1.872 e 1.871 do CC).
Após aprovado e cerrado, será o testamento entregue ao
testador, e o tabelião lançará, no seu livro, nota do lugar, dia, mês e ano em
que o testamento foi aprovado e entregue (artigo 1.874 do CC).
O surdo-mudo pode realizar essa modalidade de testamento,
desde que o escreva todo, e o assine de sua mão, e que, ao entregá-lo ao
oficial público, ante as duas testemunhas, escreva, na face externa do papel ou
do envoltório, que aquele é o seu testamento, cuja aprovação lhe pede (artigo
1.873 do CC).
Ocorrendo o falecimento do testador, o testamento será
apresentado ao juiz, que o abrirá e o fará registrar, ordenando seja cumprido,
se não achar vício externo que o torne eivado de nulidade ou suspeito de
falsidade (artigo 1.875 do CC).
Testamento Particular
O testamento particular pode ser redigido de próprio punho,
desde que seja lido e assinado por quem o escreveu, na presença de pelo menos
três testemunhas, que o devem subscrever ou elaborado por processo mecânico,
desde que não contenha rasuras ou espaços em branco, devendo ser assinado pelo
testador, depois de o ter lido na presença de pelo menos três testemunhas, que
o subscreverão (artigo 1.876 do CC).
Ocorrendo a morte do testador, a publicação do testamento
será em juízo, com citação dos herdeiros legítimos (artigo 1.877 do CC).
Se as testemunhas forem contestes sobre o fato da
disposição, ou, ao menos, sobre a sua leitura perante elas, e se reconhecerem
as próprias assinaturas, assim como a do testador, o testamento será
confirmado.
Se pelo menos uma testemunha comparecer e reconhecer o
testamento, o mesmo poderá ser confirmado, se, a critério do juiz, houver prova
suficiente de sua veracidade (artigo 1.878 do CC).
Em circunstâncias excepcionais declaradas na cédula, o
testamento particular de próprio punho e assinado pelo testador, sem
testemunhas, poderá ser confirmado, a critério do juiz (Artigo 1.879 do CC).
O testamento particular pode ser escrito em língua
estrangeira, contanto que as testemunhas a compreendam (Artigo 1.880 do CC).
Cumprimento do testamento
Segundo Fábio Coelho, é condição para a execução do
testamento o seu registro em juízo, após a morte do testador.
A medida pode ser determinada pelo juiz, de ofício ou a
requerimento do testamenteiro ou de outro interessado, como o herdeiro,
inventariante ou credor (CC, art. 1.979).
O registro faz-se por meio de procedimento de jurisdição
voluntária, cujo objetivo é a conferência, pelo Poder Judiciário, do
atendimento dos requisitos formais do ato.
Outra finalidade do registro é o de deflagrar o prazo
decadencial para a sua invalidação (art. 1.859).
Assim, segundo o autor, quando registrado o testamento, será
intimado o testamenteiro a aceitar a testamentaria.
Se o testador não o houver nomeado ou se a pessoa por ele
escolhida não puder ou não quiser assumir o encargo, o juiz designará
testamenteiro dativo (CPC, art. 1.127), incumbindo, então, a testamentaria ao
cônjuge supérstite e, em sua falta, a qualquer herdeiro, legítimo ou
testamentário (CC, art. 1.984).
Depois da assinatura do termo de testamentaria pelo
investido na função de testamenteiro, cópia do testamento registrado é
trasladada para os autos do inventário, se já estiver tramitando.
O testamenteiro é a pessoa encarregada de dar cumprimento à
disposição de última vontade contida no testamento a que serve, conforme define
Fábio Ulhoa Coelho.
Inventário extrajudicial
O Superior Tribunal de Justiça decidiu, recentemente, no
Recurso Especial nº 1.808.767, que o inventário
pode ser feito na via extrajudicial mesmo quando houver
testamento, desde que este seja registrado prévia e judicialmente.
Segue ementa:
RECURSO ESPECIAL. CIVIL E PROCESSO CIVIL. SUCESSÕES.
EXISTÊNCIA DE TESTAMENTO. INVENTÁRIO EXTRAJUDICIAL. POSSIBILIDADE, DESDE QUE OS
INTERESSADOS SEJAM MAIORES, CAPAZES E CONCORDES, DEVIDAMENTE ACOMPANHADOS DE
SEUS ADVOGADOS. ENTENDIMENTO DOS ENUNCIADOS 600 DA VII JORNADA DE DIREITO CIVIL
DO CJF; 77 DA I JORNADA SOBRE PREVENÇÃO E SOLUÇÃO EXTRAJUDICIAL DE LITÍGIOS; 51
DA I JORNADA DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL DO CJF; E 16 DO IBDFAM. (…). 2. O
Código Civil, por sua vez, autoriza expressamente, independentemente da existência
de testamento, que, “se os herdeiros forem capazes, poderão fazer partilha
amigável, por escritura pública, termo nos autos do inventário, ou escrito
particular, homologado pelo juiz” (art. 2.015). Por outro lado, determina que
“será sempre judicial a partilha, se os herdeiros divergirem, assim como se
algum deles for incapaz” (art. 2.016) – bastará, nesses casos, a homologação
judicial posterior do acordado, nos termos do art. 659 do CPC. 3. Assim, de uma
leitura sistemática do caput e do § 1° do art. 610 do CPC/2015, c/c os arts.
2.015 e 2.016 do CC/2002, mostra-se possível o inventário extrajudicial, ainda
que exista testamento, se os interessados forem capazes e concordes e estiverem
assistidos por advogado, desde que o testamento tenha sido previamente
registrado judicialmente ou haja a expressa autorização do juízo competente.
(…) 6. Recurso especial provido. (grifo nosso)
Dessa forma, para seguir com o inventário extrajudicial, é
preciso mesmo assim ocorrer o registro do testamento pelo juiz.
Fonte: Jornal Contábil