Lei determina os direitos dos indivíduos sobre suas
informações pessoais e de que maneira empresas e entes públicos podem coletar e
tratar esses registros
Depois de intensas disputas, a Lei Geral de Proteção de Dados (Lei 13.709)
começará a valer em setembro. A norma, que rege a coleta e o tratamento de
dados, trará impactos para cidadãos, empresas e entes públicos. Mas entidades
se preocupam pelo fato do órgão responsável pela fiscalização da sua aplicação,
a Autoridade Nacional de Proteção de Dados, ainda não ter sido criada pelo
governo.
O início da vigência ocorre após uma nova tentativa de
adiamento ser derrotada no Senado. A LGPD foi aprovada em agosto de 2018 mas
com um tempo de adaptação de dois anos. A Medida Provisória 959, cuja
finalidade era tratar de procedimentos para o pagamento do Benefício
Emergencial, incluiu a prorrogação do início da vigência deste mês para o ano
que vem. Ela foi aprovada na Câmara com apoio de diversos segmentos
empresariais (como empresas de tecnologia e de comunicação) e do governo
federal.
Mas uma questão regimental foi levantada pelo senador Eduardo
Braga (MDB-AM) que impedia a votação do adiamento uma vez que o tema havia sido
tratado pela Casa Legislativa em outra matéria. Com isso, a tentativa ficou
prejudicada. Mas ficou valendo ainda a mudança do PL 1.179 de 2020 segundo a
qual as sanções só poderão ser aplicadas no ano que vem.
A LGDP disciplina os direitos dos indivíduos relativos a
suas informações pessoais e de que maneira empresas e entes públicos podem
coletar e tratar esses registros. Assim, o início da vigência da norma implica
que as pessoas terão novas garantias sobre as diversas práticas de tentativa de
obtenção de seus dados, tão comuns hoje em dia.
Para fiscalizar seu cumprimento e definir normas
infralegais, foi prevista a figura da Autoridade Nacional de Proteção de Dados, vinculada
à Presidência da República. Contudo, o órgão não foi criado de fato pelo
Executivo até agora. No dia seguinte à votação no Senado, o Planalto editou
decreto com a estrutura do órgão, mas ainda sem designar seus conselheiros e
presidente, o que ainda o deixa “no papel”.
Cidadãos
No caso dos cidadãos, a mudança é a previsão dos direitos
instituídos na lei. Para além do consentimento, os indivíduos passam a poder
pedir informações sobre a guarda e manejo de seus registros, bem como a
correção destes ou até mesmo a revogação da autorização.
Um dos desafios é a criação de uma cultura de proteção de
dados, com os cidadãos conhecendo o que podem fazer e recorrendo aos órgãos
competentes para denunciar abusos e fazer valer seus direitos.
Empresas
Já as empresas terão mais responsabilidades, como obter
consentimento do titular, dar transparência às suas práticas de tratamento e
assegurar níveis de segurança da informação para evitar vazamentos.
Na avaliação da consultoria Cosin, há muitas empresas que
ainda não adotaram medidas suficientes para se adaptar às novas regras.
"As empresas ainda têm muita dificuldade na gestão de dados, com áreas ou
processos inteiros sem os cuidados básicos", afirma Maria Fiorentino,
gerente da Cosin Consulting. Entre os problemas está a ausência de estruturas e
processos de proteção de dados, bem como de um responsável pela área.
Na avaliação da CNI (Confederação Nacional da Indústria), a
ausência da ANPD cria uma insegurança jurídica com o início da vigência da
LGPD. “Com a entrada imediata em vigor, centenas de milhares de micro e
pequenas empresas terão que direcionar seus recursos numa adequação que poderia
ser dispensada ou, no mínimo, simplificada. São recursos escassos devido à
redução da atividade econômica, que mereciam ser alocados em medidas que
promovam a sobrevivência das empresas e a manutenção de empregos”, reclamou a
entidade em comunicado.
ANPD
A representante da Coalizão Direitos na Rede, que reúne
entidades de defesa dos usuários de Internet Bruna Santos, também ressalta a
importância da implantação da ANPD. Ela entende que o desafio é garantir que as
nomeações dos diretores compreendam o tema e estejam a altura das tarefas deste
assunto complexo. A representante da Coalizão acrescenta que o decreto trouxe
problemas no caso do Conselho Nacional de Proteção de Dados, órgão com representação
de diversos segmentos auxiliar à ANPD.
Pelo decreto do governo, os representantes serão escolhidos
pela direção da ANPD, a partir de uma listra tríplice. “A submissão de nomes da
sociedade civil ao conselho diretor pode comprometer a representação da sociedade.
Precisamos avançar para que o órgão multissetorial funcione como foi apontado
na lei”, ressalta.
Direitos e deveres
Segundo a norma, dados pessoais são informações que podem
identificar alguém. Dentro do conceito, foi criada uma categoria chamada de
“dado sensível”, informações sobre origem racial ou étnica, convicções
religiosas, opiniões políticas, saúde ou vida sexual. Registros como esses
passam a ter nível maior de proteção, para evitar formas de discriminação.
Mas quem fica sujeito à lei? Todas as atividades realizadas
ou pessoas que estão no Brasil. A norma valerá para coletas operadas em outro
país desde que estejam relacionadas a bens ou serviços ofertados a brasileiros.
Mas há exceções, como a obtenção de informações pelo Estado para segurança
pública.
Ao coletar dados, as empresas deverão informar a finalidade.
Se o usuário aceitar repassar suas informações, como ao concordar com termos e
condições de um aplicativo, as companhias passam a ter o direito de tratar os
dados (respeitada a finalidade específica), desde que em conformidade com a
lei. A lei previu uma série de obrigações, como a garantia da segurança dessas
informações e a notificação do titular em caso de um incidente de segurança. A
norma permite a reutilização dos dados por empresas ou órgãos públicos, em caso
de "legítimo interesse” desses, embora essa hipótese não tenha sido
detalhada, um dos pontos em aberto da norma.
De outro lado, o titular ganhou uma série de direitos. Ele
poderá, por exemplo, solicitar os dados que a empresa tem sobre ele, a quem
foram repassados (em situações como a de reutilização por “legítimo interesse”)
e para qual finalidade. Caso os registros estejam incorretos, poderá cobrar a
correção. Em determinados casos, o titular terá o direito de se opor a um
tratamento. A lei também permitirá a revisão de decisões automatizadas tomadas
com base no tratamento de dados (como as notas de crédito ou perfis de
consumo).
Fonte: R7